O nascimento de Molière há 394 anos, em 15 de janeiro de 1622, traria ao teatro um tipo de humor bem diferente do que se vê hoje nos shows de stand-up, em que é frequente a difamação pessoal.
Nascido Jean-Baptiste Poquelin e tendo mudado o nome para não prejudicar a família com sua profissão vista como “maldita”, o comediógrafo se destacou por escrever sobre os vícios e fraquezas de seu tempo – no caso, a corte de Luís 14, o “rei-sol”, e a nascente burguesia. Sua sátira era direcionada como metralhadora giratória, na forma de personagens ricamente construídos.
Personagem Misantropo é insuperável
Filmes como “De Bicileta com Molière” ajudam a divulgar a obra do dramaturgo
Leia a matéria completaO talento de Molière chegou num momento em que a comédia francesa, inspirada na italiana e na espanhola, se resumia a intrigas mirabolantes. Ele próprio começou com o estilo da farsa, baseada em caricaturas, mas lutaria contra a alcunha de “farsista” para o resto da vida.
Na verdade, em sua obra Molière avança no sentido de uma comédia de costumes, e seu triunfo se dá com as comédias de caráter – em que o risível é a personalidade de uma determinada personagem, como o bem conhecido Misantropo, ignorante dos traquejos sociais. Outros comportamentos que entraram no alvo de Molière foram a avareza, a inveja, o viver pelas aparências.
Suas criaturas incluem ainda o Tartufo, falso devoto; Harpagon (de “O Avarento”) e o mulherengo Don Juan (1665), personagem-título da peça que ele adaptou a partir da obra do espanhol Tirso de Molina. Com um amplo leque de retratados, de vários estamentos sociais, ele conseguia criticar tanto a hipocrisia de religiosos quanto a de libertinos.
Legado
O autor de “Escola de Mulheres” aprendeu o ofício viajando por vários anos pelo interior da França. De volta a Paris, teve seu primeiro hit em 1659, com “As Preciosas Ridículas”.
A diferença de seu texto e direção logo chamou a atenção da classe artística, que na época estava sujeita a um ferrenho controle para se encaixar nos “padrões da decência”.
Conforme escreveu Donneau de Visé, aquele novo autor não procurava o riso histérico e as palmas, mas o “riso da alma”, interno. Chamado por outros contemporâneos de “o contemplador”, Molière era um excelente observador da natureza humana – como aliás são os melhores escritores.
Outra característica do trabalho de Molière foi aliar o ofício de diretor ao de poeta dramaturgo, incluindo ainda a habilidade de refletir por escrito sobre sua arte, o que permitiu que deixasse um importante legado para o estudo do teatro da época.
Era costume então que os artistas escrevessem prefácios e artigos defendendo suas criações – ficou famosa a “querela do Cid”, peça de Corneille atacada por todos os lados.
Morte teatral
No palco como protagonista de sua última peça, “O Doente Imaginário”, Molière teve um desmaio na noite de 17 de janeiro de 1673. Morreu logo em seguida na sua casa, mas o clero se recusou a dar-lhe a extrema unção.
Na “advertência” que escreveu sobre “Os Importunos”, Molière prega que divertir, sim, é a regra, numa afronta à Academia Francesa, que ditava “o que pode e o que não pode” no teatro, com claro preconceito contra a comédia.
Será que todos “os que se divertiram riram de acordo com as regras”?, questiona Molière. Para ele, o público era o rei. Com “Os Importunos”, o francês também entrou para a história como criador da “comédia-balé”, em que o prestígio da música e da dança foram agregados à farsa, numa pitoresca mistura de gêneros hoje consagrada.
Era uma inovação numa época em que a tragédia (que no futuro cederia espaço para o drama) era considerada superior. A opção de Molière pela comédia lhe permitia contornar a temida lei da verossimilhança – exigida da tragédia, pregava que tudo o que fosse representado no palco fosse possível de acontecer na vida real. Já a comédia se “contenta com personagens simples situados numa situação cômica”, escreve Georges Mongrédien num prefácio às obras completas do autor.
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