Em sua primeira investida infantil, o diretor Paulo Biscaia Filho trouxe ao palco a força de bons atores, que falam de um jeito coloquial e evitam chavões da linguagem para crianças em “Lobos nas Paredes”.
Com habilidade, o grupo sugere o suspense que perpassa a obra homônima do quadrinista Neil Gaiman (de “Sandman”), mas não a ponto de mandar as crianças com medo para a cama.
Por outro lado, a ausência de sangue cênico parece ter tirado um pouco do vigor do “corvo curitibano” – sente-se falta de um rigor coreográfico, uma precisão de movimentos em que o teatro infantil se esmera. Por exemplo, os lobos são fofíssimos, até conseguem grunhir falas em sua performance, mas poderiam ganhar com uma direção de corpo mais aprofundada.
Os quadrinhos foram transpostos para um cenário inteligente (assinado por Guenia Lemos, que também faz a mãe da família retratada), que tem opções interessantes como a fachada da casa, a esteira em que a protagonista caminha, as paredes móveis da residência e a cama vertical. No primeiro plano, na borda do palco, temos o exterior da casa de Lucy, nossa heroína com rinite. No centro e fundo do palco, acompanhamos o desenrolar da história.
Novas sessões
“Lobos nas Paredes” cumpriu a temporada de estreia no Guairinha, com encerramento no último domingo (12).
Em setembro, haverá mais oito apresentações, no Teatro Bom Jesus.
Lucy é uma menina entediada, muito bem representada por Uyara Torrente com o tique de coçar o nariz. Bem insegura, bem infantil, a heroína juvenil que logo nos conquista. A atriz, também vocalista da Banda Mais Bonita da Cidade, canta só uma vez, e é muito bom vê-la usar a voz mantendo sua personagem, dando ao canto os tons que Lucy teria. Pena que é uma canção só.
Em vão Lucy tenta chamar a atenção de pai, mãe e do irmão pré-adolescentemente abobado. É triste ver uma família que não se comunica. Mas ela consegue unir o grupo, ainda que por um curto tempo, quando lidera a retomada da casa, invadida por lobos que “saíram das paredes”.
Com relação ao tema metafórico, é interessante que Biscaia tenha optado por não politizar o subtexto, não colocar palavras naquela poesia que paira no ar. Quem sãos os lobos e o que são as paredes, fica para quem quiser imaginar.
Marca registrada da companhia Vigor Mortis, as projeções também encontraram lugar na peça, com uma divertida brincadeira sobre a personalidade do pai.
Em tempo, é curioso como o público sai de adaptações comentando a tal “fidelidade” ao texto original. Apesar de trazer o mesmo nome, a versão de Biscaia para o palco é uma nova obra, com nova assinatura – não é sua obediência aos quadrinhos que traz qualidade ao trabalho, e sim o fato de usar sua própria criação a partir da imaginação de Gaiman.
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