O título é enganoso. Negócio das Arábias leva a crer numa comédia rasgada. Para quem foge desse gênero, é bom dizer que o filme do alemão Tom Tykwer (de “Corra, Lola, Corra”) nada tem de pastelão apelativo, embora funcione na chave do humor. Uma tradução literal do título original seria “Um Holograma para o Rei”, pelo que se entende a razão de os distribuidores brasileiros terem feito a mudança.
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Tom Hanks faz um homem com dificuldades de dinheiro, Alan Clay, obrigado a tentar uma cartada das mais complicadas. Sua empresa o desloca para a Arábia Saudita, onde tenta vender um software de transmissão holográfica (em três dimensões) para o riquíssimo rei do país. Este ordenou a construção de um empreendimento enorme, no meio do deserto, e é para lá que Alan se desloca para comandar a equipe.
Fica hospedado num hotel a uma hora de carro da obra e para lá se desloca todo dia a bordo de um táxi. Logo, descobre que seu “time” está sofrendo com a falta de ar condicionado, Wi-Fi de péssima qualidade, comida intragável, etc. As condições de trabalho são muito más e nunca ninguém sabe quando terá lugar a demonstração definitiva da aparelhagem para o rei, pois este não tem agenda fixa, anda pelo mundo e não marca compromissos. Todos vivem à sua espera.
O filme joga, assim, com o tema do choque cultural, mas o faz num tom que tenta evitar o preconceito e o maniqueísmo. Culturas são diferentes mesmo e propõem desafios aos de fora. Mesmo nesta era globalizada, quem quer que já tenha viajado por conta própria sabe muito bem disso. Alan sente dificuldades em levar adiante sua tarefa, sente-se isolado no hotel, não consegue dormir por conta de um persistente jet leg, tenta obter um uísque para pegar no sono, mas lá não se vende álcool, etc. Para piorar, surge-lhe um inexplicável calombo nas costas, que tem suas compensações, pois o leva ao hospital e a uma simpática médica, Zahra (Sarita Choudhury).
Há muito de esquemático na história. É verdade que ela não se distingue tanto de outras aventuras de americanos em terras estrangeiras. Sempre o que vale é o ponto de vista do “civilizado” contra o do “exótico”. Mesmo em produções menos simplistas, há essa tentativa de enlace com o suposto espectador, uma piscadela de olhos com o comentário jamais enunciado, mas sempre presente: “Olhe como eles são diferentes de nós, que afinal somos o centro do universo”.
Seria ingênuo dizer que Negócio das Arábias não tem disso. Tem, mas é atenuado, e mesmo às vezes contradito por uma relação de estranheza do personagem. Alan não estranha apenas o meio ambiente, mas a si mesmo. O misterioso caroço nas costas é espécie de metáfora do corpo revoltado contra si mesmo. E a mise-en-scène de Tykwer procura mostrar o personagem em situações incômodas, que não domina, e que chegam a ser constrangedoras, como quando a fogosa funcionária da embaixada sueca se atira sobre ele.
Negócio das Arábias é, ele mesmo, um filme contraditório, sendo que suas ambivalências jogam em seu favor. Por vezes é linear e previsível. Outras, encontra força em detalhes que surpreendem e lhe acrescentam espessura. Vale dizer: é um projeto híbrido, que não se conforma em ser convencional, mas também não ousa enfrentar a fundo as arestas propostas pelo tema.
Tom Hanks compõe um Alain Clay interessante. Frágil, às vezes desajeitado, mas dono de uma impecável retidão de caráter. À medida que envelhece, assemelha-se mais a um Jack Lemmon maduro, capaz de alternar com facilidade os registros do drama e do cômico. Atores e atrizes vão melhorando com o passar do tempo. É um métier que pode ser comparado aos vinhos, aquela história do “quanto mais velho melhor”. O que, digamos, pode ser enganoso, tanto para vinhos como para pessoas. Os vinhos têm o seu tempo de envelhecimento e as pessoas atingem seu ápice em fases variadas. Hanks parece estar num bom momento e esse papel, um tanto “gauche”, lhe cai bem.
De maneira um tanto sinuosa, “Negócio das Arábias” fala também da globalização e de uma de suas consequências, o fechamento de vagas de trabalho pelo deslocamento das indústrias. O custo da mão de obra acaba por determinar onde tal produto será fabricado. Há algo disso no passado de Alan e ele carrega certa culpa por onde vai. A ironia da história é que acaba sendo vítima de um processo do qual participou como protagonista. Nesse sentido, o filme é feliz ao apontar esse voo cego do capitalismo e suas consequências. Desse modo, “Negócio das Arábias” acaba sendo um verdadeiro negócio da China.
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