Seu perfeccionismo é lendário, e isso é tanto mais notável porque Luiz Fernando Carvalho trabalha numa mídia cujo ritmo é industrial. E ele já trabalha na transcriação de “Dois Irmãos” há muito tempo. Teve de parar quando a Globo, numa emergência, chamou-o para tapar o buraco da novela das 21h e ele teve de produzir rapidamente “Velho Chico”. Conseguiu-o, e sem abrir mão do seu método. A novela foi um sucesso - de crítica, de público. Foi marcada pela tragédia - a morte do ator Domingos Montagner.
Luiz Fernando voltou a “Dois Irmãos”. Dez capítulos, de segunda a sexta, duas semanas. “São dez, mas poderiam ser 200, a saga do Milton Hatoum é muito rica e estimulante”, avalia o diretor. O primeiro capítulo poderá ser um choque para o telespectador acostumado a narrativas mais lineares. Embora Cauã Reymond seja o grande chamariz, ele nem aparece nesse começo. Num rendilhado, a trama vai se definindo. Três gerações. Três atrizes (Gabriella Mustafá, Juliana Paes e Eliane Giardini) para compor uma personagem, a Mãe, Zana. Três atores (Bruno Anacleto, Antônio Calloni, Antônio Fagundes) para compor o Pai, Halim. Tudo já deveria estar pronto. “Estou só fazendo uns ajustes nos dois últimos capítulos.” São coisas pequenas, mas, para ele, essenciais. Luiz Fernando ainda trabalha a imagem, o som. A luz.
Ele não ‘adapta’ o livro cultuado de Milton Hatoum. “Acho que, no meu ofício, o que faço é cotejar com a literatura. A linguagem do livro já não é linear, e eu tenho a impressão de que, embora tenhamos todos esses personagens - pai, mãe e filhos -, existem outros personagens, e são os que mais me interessam como narrador. A memória. O tempo.” A proposta é exigente, mas ele sabe, por experiência, que, a despeito de tudo, há um público que quer coisas novas, ousadas. E a trama de Hatoum é apaixonante. “A tendência no audiovisual é a repetição de fórmulas fáceis, mas, quando o rendado funciona, o público vem”. O rendado de Milton Hatoum, que vira o rendado de Luiz Fernando Carvalho. “Dois Irmãos” aborda a decadência do ciclo da borracha, a chegada do imigrante, discute o poder civilizatório da Igreja.
O mascate quer conquistar a mulher, com quem terá filhos - os dois irmãos. Os religiosos vão pegar uma índia e colocar na casa de Zana. “É um álbum de família, uma saga com uma dimensão emocional, estética, política muito forte. Estamos falando ao mesmo tempo de uma formação romanesca e histórica. É a família e é o Brasil, porque a História (com H) reverbera dentro da casa. São pai e mãe, mas são os mitos. A Mãe representa todas as mães. O Pai, todos os pais. A Índia, todas as indígenas.”
Unidade de interpretação
Trabalhando com diversos atores e atrizes, como Luiz Fernando consegue o mistério de manter a unidade de tom, de interpretação? “É o desafio”, ele explica. Em Luiz Fernando há sempre um trabalho muito intenso de preparação - o ‘barracão’, como ele diz. Artistas e técnicos se reúnem para ‘sonhar’ o filme (“Lavoura Arcaica”), a novela (“Velho Chico”), a série (“Dois Irmãos”). Mas o que ele faz é uma preparação muito especial. Fica todo mundo num estado de excitação, de expectativa.
E o mistério se produz diante da câmera, quando começa a gravação - o que o diretor chama de ‘acontecimento’. Há sempre um cuidado especial com a qualidade da imagem, e aqui, talvez, mais que nunca. A saga vai dos anos 1920 aos 1980. Atravessa décadas. Luiz Fernando recuperou velhos equipamentos. Trabalha com refletores de filamento. “Pode ser que ninguém perceba, mas quase não existem efeitos. A própria imagem conta uma história da evolução da técnica, só a partir das lentes que usamos.” É uma lição de seu mestre Luchino Visconti, que exigia, nos filmes de época, que os armários fossem preenchidos com figurinos autênticos. Os produtores desesperavam-se. “Não vão aparecer!” E o Mestre - “Mas eu sei!”
A riqueza não é só da imagem. Está na trilha. Villa-Lobos, Mahler. Ops! “Te peguei”, brinca o diretor. “Não é a 5ª Sinfonia, que Visconti utilizou em “Morte em Veneza”, mas uma criação de Tim Rescala sobre a música original de Mahler.” E o elenco... “Maria Fernanda (Cândido) faz a minha personagem viscontiana nessa história”, ele diz. E Calloni - numa entrevista sobre “Velho Chico”, o repórter já confessara seu maravilhamento por uma atriz via de regra afetada, Christiane Torloni, mas à qual Luiz Fernando conferiu uma aura trágica. Agora, é Calloni. Ele não costuma ser tão bom. “É a melhor atuação dele. Está excepcional”, avalia o diretor. E Cauã Reymond nem aparece hoje... “É só aguardar!” De Luiz Fernando Carvalho nunca se espera menos que a capacidade de surpreender.
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