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O Historiador como Colunista: antologia | Divulgação
O Historiador como Colunista: antologia| Foto: Divulgação

Em seu mais recente livro lançado no Brasil, O Historiador como Colunista (Civilização Brasileira), antologia dos textos que nos últimos 12 anos vem escrevendo para o jornal Folha de S. Paulo, Peter Burke passeia com grande fluência pelos vários aspectos da tradução cultural. Seus textos são ao mesmo tempo rigorosos e gostosos de ler – raridade na produção acadêmica. A vivência pessoal do autor, cujas primeiras experiências em terras brasileiras – este país que aprendeu rapidamente a amar – datam de mais de 20 anos, certamente contribui para o charme de seus ensaios.

No texto intitulado "Primeiras Impressões de um Inglês no Brasil", Burke recorda: "Uma surpresa inicial foi ver que as taxas de câmbio no ‘paralelo’ eram impressas no jornal ao lado das taxas oficiais. O que significava isso? Como podia o mercado negro ser oficial?", pergunta-se o historiador, que dedica outro dos ensaios do livro a tentar entender a corrupção – uma palavra que, quase que automaticamente, grudaríamos à imagem que fazemos de nós mesmos.

"Ouvir o português falado sem o entender gerou também algumas impressões interessantes sobre a cultura. Achava que as pessoas estavam discutindo, quando, na verdade, estavam tendo uma conversação normal", continua Burke, com uma observação curiosamente semelhante à que costuma fazer qualquer brasileiro que visite a Itália.

"Notei que havia menos silêncio do que seria o caso na Inglaterra (para não mencionar a Escandinávia), que pessoas diferentes falavam ao mesmo tempo e, o mais notável de tudo, que os ouvintes, de certo modo, davam atenção a mais de um orador ao mesmo tempo", prossegue, bem-humorado, o historiador e professor emérito do Emmanuel College, da Universidade de Cambridge. "Jamais consegui dominar essa arte. É provavelmente como dançar o samba, no sentido de uma habilidade que é melhor começar a aprender antes do 3 anos de idade."

"Promiscuidade entre classes"

É curioso cotejar o ensaio de Burke com as impressões de um conterrâneo, mas quase 200 anos atrás: o comerciante inglês Thomas Lindley, num depoimento de 1802 reproduzido em Brasil – a História Contada por Quem Viu (Mameluco), antologia organizada por Jorge Caldeira.

"É surpreendente ver como se observa pouco, neste país, a matéria de subordinação de classes. A França, em sua fase de mais completa revolução e igualdade entre os cidadãos, jamais o excedeu a esse respeito", observou o forasteiro na Bahia. "Vê-se, aqui, o empregado branco conversar com o patrão em termos da maior igualdade e cordialidade (...). O sistema não fica nisso, mas estende-se aos mulatos e até mesmo aos negros", continua o viajante, para em seguida concluir, sem meias-palavras: "Dessa liberdade irrestrita resultam as mais perniciosas consequências, não se consegue que uma ordem seja prontamente obedecida, e os estrangeiros que esperarem coisa melhor estarão sempre sujeitos a insultos. Atribuo essa promiscuidade à ignorância geral que impregna o país."

Como historiador, outra dimensão levantada por Burke no que tange à tradução cultural é, justamente, a transposição de opiniões e costumes no tempo, e não apenas no espaço: "Se o passado é um país estrangeiro, consequentemente, o mais monoglota dos historiadores é um tradutor. Os historiadores fazem a mediação entre o passado e o presente, e enfrentam os mesmos dilemas de outros tradutores, servindo a dois senhores quando tentam facilitar o entendimento dos leitores e, ao mesmo tempo, se manter fiéis ao original", analisa, na coletânea A Tradução Cultural (Ed. Unesp), outro dos livros sobre o tema do qual é autor e organizador.

Burke certamente não corrobora algumas das impressões sobre o Brasil de seus conterrâneos – um deles um possível antepassado, citado num dos textos de O Historiador como Colunista, para quem o brasileiro seria nada menos do que "um povo preguiçoso". Mas, ao longo dos tempos, ao menos um sentimento permanece, e independentemente de nacionalidade. Segundo a engenhosa máxima do professor de Cambridge: "A gente nunca é mais inglês do que quando no estrangeiro". (CS)

Serviço:

O Historiador como Colunista, de Peter Burke. Civilização Brasileira, 322 págs., R$ 29,90. Ensaio.

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