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 | Reprodução/”Torre de Babel”, pintura de Pieter Brueghel
| Foto: Reprodução/”Torre de Babel”, pintura de Pieter Brueghel

Um casamento intercultural

A vanguarda dos estudos da tradução cultural é ocupada, hoje, por um casal que conhece de sobra os desafios do diálogo entre culturas. Afinal, ele é inglês e historiador; ela, brasileira e livre-docente em Educação pela Universidade de São Paulo; e ambos, além de professores da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, têm ajudado a disseminar o conceito entre historiadores, antropólogos, sociólogos e tradutores ao redor do mundo.

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Um inglês nos trópicos

Em seu mais recente livro lançado no Brasil, O Historiador como Colunista (Civilização Brasileira), antologia dos textos que nos últimos 12 anos vem escrevendo para o jornal Folha de S. Paulo, Peter Burke passeia com grande fluência pelos vários aspectos da tradução cultural. Seus textos são ao mesmo tempo rigorosos e gostosos de ler – raridade na produção acadêmica.

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O primeiro dia de um estrangeiro no Paquistão

Em maio de 2008, depois de alguns meses de preparação, cheguei ao Paquistão com o propósito de escrever um livro sobre o país – Viagem à Terra dos Puros, que será publicado pela Editora Globo em meados de 2010. Uma família mu­­çulmana da tribo pachtun concordou em me receber como hóspede em sua casa localizada em Mardan, um dos principais centros da ação taleban na fronteira noroeste do país, próxima à área montanhosa da divisa com o Afeganistão.

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Por que somos tão diferentes – e tão iguais?

Para ajudar a refletir sobre essa pergunta, a Gazeta do Povo procurou Carlos Alberto Faraco, professor e ex-reitor da Universidade Federal do Paraná. Coube a Faraco, há alguns anos, a tarefa imensa de traduzir ao português do Brasil aquele que é, talvez, o mais abrangente estudo moderno sobre "questões de linguagem e tradução" – subtítulo do monumental (533 páginas na edição brasileira) Depois de Babel, obra definitiva do crítico literário e pensador George Steiner, professor de instituições como Oxford, Cambridge e Harvard.

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O estranhamento é, paradoxalmente, das sensações mais familiares nos dias de hoje. É quase diária a experiência de nos depararmos, na miríade de informações à nossa volta, com os tipos humanos mais diversos e suas práticas cotidianas, para nós, surpreendentes – apesar da propalada uniformização do mundo dito globalizado (daí o estranhamento ser, também, paradoxal).

Faça o teste. Interrompa agora a leitura deste texto e procure a seção Imagens do Universo, que diariamente ilustra o noticiário internacional da Gazeta do Povo. Nas fotos ali expostas, captadas em lugares distantes ou nem tanto, você provavelmente encontrará um rosto (chinês), um traje (esquimó), um costume (ano-novo lunar), um ritual (de orações no Tibete), uma festa (Batalha do Carnaval na Itália), um protesto (contra a falta d’água na Sibéria) – enfim, qualquer manifestação da cultura humana que lhe parecerá, senão estranha, ao menos curiosa (entre parênteses, na frase anterior, apenas exemplos dos últimos dias neste jornal). E talvez se pergunte por que isso acontece, se afinal, salvo engano, você também é parte dessa mesma cultura.

Uma nova e original forma de investigar essas diferenças – e tentar responder ao enigma da imensa diversidade de culturas quando somos capazes, ao mesmo tempo e quase sempre, de nos reconhecermos como iguais – é encarar o tal estranhamento de todos os dias como um constante processo de tradução. Há mesmo um campo de estudos, relativamente novo, dedicado à tradução cultural. Para os pesquisadores da área, além da óbvia, necessária e útil tradução entre diferentes línguas, seria preciso encarar o desafio da transposição mais ampla entre códigos culturais distintos – em certos casos, aparentemente inconciliáveis.

Transpor distâncias – no mundo real ou no ciberespaço – também envolve, dizem esses especialistas, um ato tradutório por excelência. "Estudiosos observam (que) os relatos de viagem, como tradução, oferecem aos leitores uma versão de outra cultura, um construto dessa outra cultura", escreve Susan Basnett, professora da Universidade de Warwick, Inglaterra. "O escritor-viajante opera num espaço híbrido, um espaço intercultural, da mesma forma que o tradutor atua num espaço interlinguístico, um espaço perigoso e de transgressão que é quase sempre chamado de ‘terra de ninguém’", ilustra a especialista.

Só não há mais lugar, parece claro, para o explorador "científico", aquele viajante de outros tempos que acabava por tratar as pessoas que encontrava pelo caminho, em suas andanças, não só como figurantes (o que interessava era a visão de mundo do narrador, ele mesmo, o autor) mas como "objetos de estudo".

Enquanto os grandes livros de viagem do século 20 falavam sobre jornadas épicas, normalmente empreendidas por exploradores jovens e destemidos, hoje, lembra outro estudioso, William Dalry­­mple, "muitos dos relatos mais interessantes são escritos por indivíduos que resolveram passar longas temporadas em algum lugar, chegando a conhecê-lo intimamente". Essa permanência parece essencial a quem, mais do que simples curiosidade ou ojeriza, cultive verdadeiro interesse por outros costumes. Tarefa árdua num mundo mais acostumado a embates do que a encontros interculturais.

"Eu diria que a nossa dificuldade em traduzir culturas não está propriamente na diversidade linguística, mas na tendência das culturas ao etnocentrismo", observa o linguista e professor Carlos Alberto Faraco (leia texto à pág. 3). "A diversidade cultural tem, então, essa dupla face: é inegavelmente um ganho para a humanidade, mas, pelo desvio etnocêntrico, é um fator de perturbação", alerta Faraco. "A construção das pontes interculturais não é uma impossibilidade causada pela diferença de línguas, mas exige a superação do etnocentrismo."

Na trincheira oposta, campeia a idéia – às vezes pura ideologia – do multiculturalismo. Em sua forma radical, defende que toda e qualquer prática cultural, ainda que nos pareça cruel e até desumana, deveria ser respeitada. Trata-se de terreno espinhoso e escorregadio, conforme notou, em entrevista recente à Gazeta do Povo, a advogada Melina Fachin, integrante da comissão de Direitos Humanos da OAB-PR.

"As palavras que se usam para definir conceitos culturais, ainda que sejam as mesmas, assumem significados diferentes dependendo do país em que são usadas", comentou a especialista. "A principal diretriz hoje em voga nos direitos humanos e no direito constitucional é a dignidade humana. Só que o problema continua, porque a expressão ‘dignidade humana’ é abstrata."

O que alguns traduziriam simplesmente por "direito à vida", lembra ainda a advogada, esbarra em "culturas onde a vida nem sempre é um valor supremo" – caso de tribos indígenas e outros agrupamentos que, geralmente movidos por crenças sobrenaturais, praticam formas de sacrifício humano.

Inaceitável? Evidente que sim – mas debruçar-se sobre a diferença pode dar o que pensar, em vez de simplesmente provocar repulsa (aliás inevitável, neste caso, pois o leitor deste jornal assumirá desde logo o ponto de vista daquilo que reconhecemos facilmente como comportamento "civilizado"). O problema da crítica afoita ao multiculturalismo é que, sem na verdade compreender do que se trata e embotada de razão, ela despreza a pesquisa séria em torno da existência ou não de valores universais, olhando o mundo pela clássica (e pouco esclarecedora) cisão entre "civilização" e "barbárie".

A professora Maria Lúcia Pa­­lhares-Burke, da Universidade de Cambridge (leia entrevista à pág.2), rechaça a ideologia que permite, por exemplo, mutilações sexuais ou a tirania sobre a mulher: "A defesa do multiculturalismo nesse sentido não seria nada mais do que louvação da diversidade cultural como um valor em si, como se isso bastasse; como se a herança cultural a que estamos ligados pelo acaso do nascimento fosse o fundamental e devesse ser preservada a qualquer custo", reflete. E, parecendo encontrar o caminho do meio, conclui: "O outro sentido valoriza a diversidade cultural desde que seja fruto da escolha, a mais livre possível, das pessoas envolvidas."

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