Fiuza: grande reportagem publicada em livro| Foto: Divulgação

O acaso pode ser revertido em trampolim para empreendimentos os mais inusitados. Em 1988, Guilherme Fiuza pedalava a sua bicicleta na zona sul carioca quando, inesperadamente, se viu em meio a uma passeata. Naquele dia, um então desconhecido Chico Mendes revelaria o seu talento para desatar nós e aglutinar pontos de vista díspares. Três meses depois, o líder seringueiro seria assassinado na porta de sua casa, no Acre. Agora, duas décadas depois, o jornalista publica Amazônia, 20º Andar, livro-reportagem que tem naquele personagem amazônico um de seus protagonistas.

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A obra, na realidade, é uma grande reportagem que narra a trajetória dos empresários cariocas Bia Saldanha e João Augusto Fortes. A dupla teve ouvidos para escutar as ideias-força de Chico Mendes e vislumbrar que a Amazônia poderia ser uma vereda viável comercialmente. Mas se entrar naquele território é algo relativamente fácil, permanecer, sobreviver e sair de lá não é (nem foi, jamais será) jornada para principiantes.

Amazônia, 20º Andar, que começou a ser gestado naquele já distante 1988, levou um ano e meio para ser realizado, entre apuração e escrita. Fiuza esteve no Acre em julho de 2007, e gravou 70 horas de entrevistas com algumas das principais pessoas envolvidas no assunto. "Mas também fui acumulando conhecimento sobre os temas da Amazônia ao longo dos anos, em várias viagens à região", disse o autor, em entrevista à Gazeta do Povo.

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Fiuza, também autor do livro-reportagem Meu Nome Nnão É Johnny (adaptado para o cinema com bilheteria superior a 2 milhões de espectadores), se aproximou profissionalmente do mote amazônico no início da década de 1990. Na época, era repórter de Meio Ambiente do Jornal do Brasil. Um pouco antes da Rio-92, fez a sua primeira matéria sobre o couro vegetal, criado por Bia e Fortes. "Fui procurá-los mais de 15 anos depois para fazer o livro, não tanto pela solução ecológica que o projeto deles representava, assunto da matéria lá nos anos 1990, mas pela aventura humana em que se meteram a partir dali."

Ilíada tupiniquim

Bia Saldanha tinha 30 anos quando Chico Mendes, "o ribeirinho que conhecia Karl Marx e Adam Smith", provocou tremor de terra no Leblon. A estilista não se contentava mais em apenas vestir as elegantes da zona sul, apesar do superávit na conta bancária. As portas de sua boutique estavam fadadas a fechar, da mesma maneira que o casamento já era e um filho pequeno ficaria temporadas distante da mãe. A parceira e o capital de outro empresário, João Augusto Fortes, fez do sonho realidade: criar um sofisticado produto na floresta para ser exibido e comercializado de Nova Iorque a Paris. O ecomercado nunca mais seria o mesmo.

Confira entrevista com Guilherme Fiuza

Mas a via-crúcis de Bia seria mais do que cruel. Dos primeiros contatos com os nativos às inevitáveis trombadas com interesses outros. Acidentes, incidentes, desencontros. Risco de morte permanente. Empréstimos se tornariam dívidas (que rolam até hoje). No entanto, e acima de tudo, Bia encontraria o seu grande amor em meio a mais inóspita travessia. "Realmente, a trajetória da Bia tem uma dramaticidade grande. Daí meu interesse em contar sua história. É sem dúvida um personagem de romance encravado na vida real", reconhece Fiuza.

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Ao reconstituir episódios pretéritos, a exemplo da aproximação de Bia com o também carioca Marcelo Piedrafita, em meio à floresta, e os desencontros, sobretudo os "acasos", como um voo do Acre ao Rio de Janeiro, Fiuza atinge as mais elevadas temperaturas deste livro-reportagem. "Era muita proximidade para uma viagem tão longa. No momento da decolagem, suas mãos se procuraram. E até o pouso no Aeroporto Internacional do Galeão não se soltaram mais." Tanto "aperto de mão" teria consequências: Bia e Marcelo casaram e estão juntos até hoje (o filho do casal, João Manuel, já tem 11 anos).

O caminhar de Bia e Fortes não termina no ponto final de Amazônia 20º Andar. Entre lucros e prejuízos, conflitos e celebrações, Bia está envolvida com um novo projeto de aproveitamento da borracha nativa na Amazônia e trabalha com os desdobramentos do couro vegetal. Fortes segue por sendas próprias. "São pessoas simples, consideravelmente marcadas pelas experiências arrojadas, mas ainda devotos dos seus ideais", completa Fiuza.

Serviço:

Amazônia, 20º Andar. Guilherme Fiuza. Record. 270 págs. R$ 42.