A história da Máfia como a conhecemos hoje está ligada à história da Sicília, berço desse tipo de organização criminosa. O professor Salvatore Lupo, estudioso da Máfia e da Itália meridional, afirma em seu livro História da Máfia Das Origens aos Nossos Dias (Ed. Unesp, 2002) que esse tipo de organização data do século 19, período que antecede a unificação italiana. "A abolição do sistema feudal, decretada na ilha em 1812 (...) destrói alguns dos quadros fundamentais do ancien régime. É esse o ponto indicado como decisivo (...) para iniciar o processo de democratização da violência, pelo qual o direito ao uso da força, antes nas mãos da aristocracia, se transfere legalmente para o Estado, mas materialmente permanece nas mãos dos particulares, para além de qualquer hierarquia rígida de ordem ou de classe", escreve Lupo.
A partir daí, o descrédito com as autoridades locais permitiu que a família, estrutura primitiva dos primeiros grupos criminosos, tomasse o lugar do Estado como centro da vida siciliana. "A Máfia historicamente nasce para remediar a falta do governo, a falta de uma regulação estatal em transações em seu território. Neste ponto de vista, a Máfia estendeu suas atividades para a proteção de atividades econômicas", explica o historiador em uma entrevista pelo telefone.
No livro, Salvatore Lupo questiona o porquê desse tipo de sistema ter sido criado na Sicília e não em outras regiões da Itália. O historiador João Fábio Bertonha, da Universidade Estadual de Maringá explica que uma das razões para isso vem do fato de que unificação do país ocorreu em dois momentos diferentes. "O Norte se unificou primeiro em torno do [reino de] Piemonte-Sardenha. E o Sul depois foi anexado de maneira artificial. Essa anexação complexa causou um atrito entre o poder central e a população sul", explica Bertonha a respeito do movimento conhecido como Risorgimento, no qual a aristocracia do Norte quis unificar o país para poder concorrer comercialmente no mercado internacional.
O historiador afirma, porém, que a Máfia de hoje está muito distante de suas origens, tanto na intenção quanto na estrutura: "Pode ter sido um poder alternativo em sua origem, mas hoje em dia ela se baseia principalmente no dinheiro do crime organizado. O caráter político, de revolta popular, foi completamente abandonado". A causa para essa transformação, segundo Bertonha, vem de uma conhecida característica da Máfia: a readaptação. "Num primeiro momento, a Máfia bateu de frente com o poder. Na época do fascismo, Mussolini reprimiu os mafiosos a todo custo e eles entenderam que precisavam preservar um papel na sociedade. Por isso, na Segunda República, até a década de 90, muitos políticos foram comprados por eles. O crime organizado precisa controlar a sociedade e o Estado para sobreviver, mantendo uma influência permanente na vida italiana".
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