| Foto: Ilustração: Osvalter Urbinati

No início da década de 80, um grande sucesso do horário nobre na televisão brasileira era a série policial Kojak. O "enlatado" da rede americana CBS mostrava um extravagante policial interpretado por Telly Savallas que usava métodos pouco ortodoxos para combater o crime no distrito mais barra pesada de Manhattan (enquanto chupava pirulitos...).

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LISTA: Confira alguns dos principais think tanks do Brasil e estrangeiros

Quem acompanhava a série assustava-se com a decadência de Nova York, com seus bairros escuros e prédios deteriorados por onde circulavam traficantes, prostitutas, malandros e bêbados. O mais chocante era saber que os índices de criminalidade comprovavam que a qualidade de vida da Big Apple tinha se deteriorado.

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Em 1983, dois pesquisadores de ciências políticas, James Q. Wilson e George Kelling, publicaram um artigo intitulado "Broken Windows" (Janelas Quebradas). Era uma encomenda do centro privado de pesquisa americano Manhattan Institute e estabelecia, talvez, pela primeira vez, uma relação de causa e efeito entre desordem social e crime.

A imagem das janelas quebradas servia para explicar "como o caos, aos poucos, se infiltra na comunidade, causando decadência e a consequente queda da qualidade de vida".

Mesmo tendo aspectos questionáveis, principalmente no campo dos direitos humanos, a teoria justificou a implementação da Política de Tolerância Zero pelo prefeito nova-iorquino Rudolf Giulianni, eleito em 1993 com a promessa de diminuir a criminalidade. Giulianni citava em discurso trechos do trabalho: "É preciso cuidar de cada detalhe da cidade, da sua limpeza pública à repressão policial ostensiva para garantir a paz". A política das "Janelas Quebradas" teve tanto êxito que foi replicada em cidades pelo mundo afora e segue presente no discurso de políticos conservadores brasileiros.

Este talvez seja o mais bem-acabado exemplo de um think tank interferindo na agenda política.

Think tank (em Portugal se usa "usina de ideias) é como são chamados os centros de pesquisa e análise que subsidiam e ajudam a direcionar a política e a agenda política dos governos. Alguns são financiados por ONGs, outros pertencem a governos e alguns são bancados por empresas. Em um conceito que está se tornando clássico, os think tanks são "organizações relativamente independentes, não partidárias, sem fins lucrativos, que produzem conhecimento, dedicam-se a resolver problemas, desenvolver projetos de curto, médio e longo prazo, e realizar pesquisa, sobretudo nas áreas de políticas públicas, tecnologia, social ou de política estratégica e militar, visando a ganhar apoio e influenciar o processo político, seja em maior ou menor grau", na definição da jornalista e professora curitibana Tatiana Teixeira, uma das mais importantes pesquisadoras da atuação dos think tanks no mundo (conheça mais exemplos de think tanks estrangeiros e brasileiros na página ao lado).

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Nos EUA, na Europa e na China, dificilmente as decisões políticas escapam do crivo destas instituições. Nos Estados Unidos, estima-se que existam cerca de 1,5 mil think tanks. Juntos, eles têm forte influência nas políticas públicas. No Brasil, ainda são pouco compreendidos.

O termo think tank surgiu nos Estados Unidos, durante a Segunda Guerra Mundial. Designava as salas onde se reuniam oficiais do exército americano para discutir as estratégias das operações de combate. Por lá, a expressão se popularizou para definir institutos de pesquisa independentes, voltados para a produção e disseminação de conhecimento e ideias sobre política, comércio, indústria, estratégia, ciência e questões militares. Bombardear o mundo com ideias – é o que pretendem, em última instância, os think tanks.

Na política pública, os think tanks exercem diversas funções. A mais usual é pautar o debate político por meio da publicação de estudos, artigos de opinião e da participação de seus membros na mídia. Uma mistura de pesquisa, lobby e advocacia que tenta fazer a ponte entre conhecimento e o poder constituído. No Brasil, a atuação desses grupos é incipiente, porém, nos últimos anos, há um movimentação grande no setor. (leia mais no texto ao lado). "Os think tanks tentam capturar o interesse dos formadores de opinião e atrair os formuladores de políticas públicas. A atuação, por vezes, é sutil. Promovendo livros, criando seminários para influir na mídia ou nos atores do processo legislativo ou executivo", diz Luciana Silveira, mestre em sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). "Os think tanks assumem tarefas, como representação de grupos de interesses, nem sempre com transparência com relação a como são financiados."

No Brasil, intitutos ainda estão "engatinhando"

Na última década, houve um relevante momento de criação e aperfeiçoamento de institutos de pesquisa que atendem ou pretendem se encaixar na definição clássica de think tanks no Brasil. Porém, em comparação com centros como os Estados Unidos, os países mais importantes da Europa Ocidental e os Brics (China , Rússia e Índia), o país ainda está engatinhando.

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Aqui, os centros mais importantes são a Fundação Getulio Vargas (FGV), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

Há outros institutos sendo criados, porém, analistas entendem que estes centros intervêm com "timidez" no debate público, principalmente por meio de opiniões individuais de seus integrantes na mídia e não por diagnósticos e proposições institucionais.

Marcio Pochmann, presidente do Ipea, disse que o instituto criou, há três anos, uma divisão de relações internacionais e ampliou seus quadros. Segundo ele, o país "tem uma tradição muito endogenista e só agora começa a mudar", disse em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.

"Nas últimas décadas, FMI [Fundo Monetário Internacional] e Banco Mundial orientavam [a política externa], mas agora há uma disputa de conhecimento", completou Pochmann, citando os encontros de think tanks dos Brics realizados nos últimos dois anos, em Pequim e Brasília, nos quais o Ipea representou o Brasil. "Há poucos institutos assim e isso precisa mudar. Aquilo que acontece no mundo afeta o Brasil cada vez mais, e vice-versa", disse.

Para Luciana Silveira, "o Ipea não não faz planejamento de políticas, mas as pesquisas do instituto embasam políticas públicas". Já A FGV é, ao mesmo tempo, "uma universidade com departamentos que produzem pesquisa a partir de demandas públicas", explica.

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Para ela, há uma característica partidária e ideológica nos institutos brasileiros. "E a ‘nova’ direita é mais aparelhada do que a esquerda no setor", diz.

Para Matias Spektor, ex-pesquisador do Council on Foreign Relations (CFR), um dos mais influentes dos EUA, e hoje coordenador do Centro de Relações Internacionais da FGV, o cenário é favorável ao aparecimento e consolidação dos think tanks no Brasil, algo sentido na academia. "Há uma esperança para a área. Houve um aumento exponencial no número de cursos de graduação e de pós-graduação", prevê.

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