Walmor Chagas subiu hoje (12) ao palco do Palácio dos Festivais para receber o troféu Kikito. A temporada de homenagens do 36º Festival de Cinema Brasileiro e Latino começou no domingo, com o Kikito de Ouro especial outorgado a Renato Aragão, por sua carreira de 47 filmes. Hoje, Walmor Chagas recebeu seu troféu que leva o nome do lendário cômico da Atlântida e quarta e quinta-feira Gramado premia os dois Júlios: amanhã, o brasileiro Júlio Bressane recebe o troféu "Eduardo Abelim", que leva o nome do pioneiro do cinema gaúcho, e na de quinta o cubano Julio García Espinoza ganha o Kikito de Cristal.
José Carlos Avellar, um dos curadores do evento (com Sérgio Sanz), explicou o conceito das premiações especiais. Walmor e os Júlios passaram pelo Festival de Pesaro, na Itália, que foi o palco da afirmação das novas cinematografias, nos anos 60. Bressane e Espinoza, no lendário "68", e Walmor três anos antes, com "São Paulo S.A.", de Luiz Sérgio Person. Curiosamente, Walmor admite não se lembrar de Pesaro. Sua lembrança mais forte, em relação a "São Paulo S.A." - e à participação do filme no cenário internacional -, refere-se a Acapulco, no México. Foi onde ele conheceu Luís Buñuel e o grande autor, tão pouco preocupado em falar sobre cinema - preferia ensinar os 'estrangeiros' a tomar cerveja na lata, com sal e limão -, reservou para o último dia seu elogio ao desempenho de Walmor.
Para o jovem que se iniciara na carreira artística sonhando com o cinema, foi a glória. Walmor chegou a telefonar para sua companheira, na arte e na vida, Cacilda Becker, que permanecera no Brasil, para dizer que, agora sim, o sonho ia se realizar. Afinal, além de Buñuel, ela fora a uma recepção na casa da atriz norte-americana Merle Oberon em Acapulco e lá conhecera famosos astros de Hollywood, entre eles Charlton Heston.
Pode parecer deslumbramento, mas Walmor reconhece que, como jovem ator, ele não foi indelével à influência de Hollywood e seus astros - cita John Garfield como um dos favoritos. Hoje em dia, Walmor tem muito mais clareza - e distanciamento - para criticar o colonialismo cultural que domina nossos corações e mentes.
Ele queria o cinema, mas começou no teatro e, embora tenha feito grandes filmes - "São Paulo S.A." e "Xica da Silva", de Cacá Diegues -, sabe que deve sua popularidade à televisão. Na Globo, principalmente, ficou instituído que ele era perfeito para personagens 3 Ms (milionários, mulherengos e maus caráteres). Walmor é crítico em relação à mídia. Diz que é indústria e, como tal, as novelas são feitas de referências, diluindo diversos clássicos que servem como fontes de inspiração para os autores.
Mesmo assim, ressalta alguns trabalhos - a minissérie "Os Maias", dirigida por Luiz Fernando Carvalho ('apesar' da escritora Maria Adelaide Amaral, a quem acusa de introduzir um alívio cômico no drama, misturando outro Eça de Queiroz, o de "A Relíquia", à trama clássica) e "Vereda Tropical". No teatro, teria muito mais espetáculos para destacar - mas os que vêm primeiro são "Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?" e "A Noite do Iguana". Como diretor, Ziembinski foi fundamental. "Como Stanislawski para os norte-americanos, ele foi o nosso eslavo que ensinou toda uma geração a representar para teatro e cinema", resume.
No cinema, suas preferências são por "São Paulo S.A." e "Valsa para Bruno Stein" - em "Xica da Silva", era coadjuvante, "arrastado por Zezé Motta". Ao contrário do culto que existe hoje ao filme de Person, ele lembra que "São Paulo S.A." não provocou tanto entusiasmo nos anos 60. "Havia uma rivalidade entre Rio e São Paulo, como se só os cariocas pudessem fazer cinema."
Tudo isso é passado, e ele não vive no passado. Recebe a homenagem com agrado, porque pelo menos poderá participar dela. "Em geral, homenageiam a gente depois de morto." Walmor Chagas, que não tira os óculos escuros durante toda a entrevista, é um grande senhor da arte da representação. O Oscarito lhe vai bem.
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