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Trabalhar nas gravações de Ser Humano ajudou Zeca Pagodinho a elaborar o luto – ele perdeu o pai de 87 anos e o filho de 28 anos. Ambas as mortes ocorreram em 2015. | Divulgação
Trabalhar nas gravações de Ser Humano ajudou Zeca Pagodinho a elaborar o luto – ele perdeu o pai de 87 anos e o filho de 28 anos. Ambas as mortes ocorreram em 2015.| Foto: Divulgação

2015 tem sido um ano difícil para Zeca Pagodinho. Em janeiro, o cantor perdeu seu filho mais velho, Elias Gabriel, aos 28 anos. Dois meses depois, perdeu o pai Jessé Gomes da Silva, 87 anos, de quem herdou o nome. Zeca admite que precisou assimilar o golpe.

“No início pensei em parar com tudo. É muita porrada pra um cara só. Mas, depois, vi que não dava para ficar em casa pensando em quem morreu e reclamando de dor na coluna”, diz.

Numa sala na sede da sua gravadora Universal Music, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, Zeca recebeu a Gazeta do Povo segurando no colo sua netinha, Catarina, de 11 meses, e explicou que ela foi fundamental na “volta por cima” que planejou após o luto.

biografia

Zeca Pagodinho nasceu Jessé Gomes da Silva Filho em 4 de fevereiro de 1959. Foi feirante, camelô, contínuo e anotador do jogo do bicho. Por volta dos 18 anos, começou a circular pelas rodas de samba do Rio, mostrando suas composições (gravadas por Beth Carvalho e Fundo de Quintal). Estreou em 1986 e não parou mais. Também venceu quatro vezes o Grammy.

Em abril, Zeca reuniu sua equipe fiel para fazer o fazem como ninguém no Brasil: gravar um disco de samba. “Pensei assim: ‘eu vou é pro estúdio, vamos trabalhar que agora o momento ruim tem que acabar’. Se tem gente indo embora, tenho meus netos aqui e eu não posso parar. Se eu parar, aí ferrou tudo de vez”, explica.

Assim nasceu o álbum Ser Humano, 23.º disco individual da carreira. E que tem todos os ingredientes e temperos que o transformaram no nome mais importante do samba no país. Da produção grandiosa, a capacidade de recolher o ouro na peneira de compositores que vivem nos subúrbios do Rio de Janeiro e nos intervalos de seus discos, trabalham em canções para o repertório do cantor.

“Isto é verdade. Hoje, além de trabalhar muito em muitas outras coisas, eu desanimei um pouco de fazer minhas músicas porque o compositor ficou órfão no Brasil”, avalia.

“Houve um tempo que dava pra achar fácil dez cantores para lançar músicas: Alcione, Neguinho da Beija Flor, Mussum, Roberto Ribeiro, Bezerra da Silva...Hoje vai gravar com quem? Quem está segurando essa onda sou eu”, diz.

O sambista Monarco, baluarte da Velha Guarda da Portela, e que visitava o compadre e parceiro de longa data na hora da entrevista, assina embaixo. “O Zeca é um cara 100%. Ele sempre dá um jeitinho e acomoda todo mundo. Se precisar, tira uma música dele e põe uma tua”, diz Monarco. Em resposta, Zeca brinca: “Só quem chega direitinho. Tem que ser coisa boa. Menos as músicas do Monarco: eu gosto das coisas dele antes de ouvir”.

12 milhões

Número estimado na página oficial de Zeca Pagodinho sobre as vendas de discos. No Brasil, não há um dado oficial.

23

Álbuns lançados por Zeca desde Zeca Pagodinho (de 1986), que vendeu mais de 1 milhão de cópias.

27

de setembro é a data prevista para o show da turnê Ser Humano em Curitiba. O local ainda não foi definido.

No novo disco, apenas uma das composições tem a assinatura de Zeca , o samba “Foi Embora”, em parceria com Arlindo Cruz e Sombrinha. De resto, o disco traz 13 sambas assinados por “fornecedores” recorrentes como Luiz Grande, Almir Guineto e Marcos Diniz ou nomes novos como Kiki Marcellos e Juninho Tybau. Os temas são a celebração da vida simples e boêmia, a arte de ser feliz com pouco dinheiro e muito apoio dos amigos e da família.

Há também a clássica canção sobre algum tipo humano que todos conhecem (no caso o fofoqueiro em Boca de Banzé) e as canções de amores difíceis que se resolvem com o perdão de uma das partes. Zeca disse que não se incomoda que digam que ele repete fórmulas que deram certo a cada disco que lança. “Roberto Carlos está por aí há 50 anos cantando as mesmas coisas. No disco e nos shows, uso o que sei que meu público gosta e quer ouvir”, defende.

A entrevista com Zeca aconteceu na última quarta-feira (29 de abril), no exato momento em que a ação policial reprimia os manifestantes no Centro Cívico. Zeca viu algumas das fotos do confronto e ficou chocado. “Como é que pode isso? Às vezes eu nem reconheço mais o Brasil. Hoje em dia os caras batem até em mulher...”, diz. “Antigamente, a gente tinha outro tipo de respeito. Mesmo nas piores bocadas. Por isso uma música como Ser Humano é importante para o momento. Além de ser boa, tem uma mensagem: vamos recuperar o respeito um pelo outro, vamos pegar leve.”

A música-título e as demais são arranjadas por músicos como Rildo Hora, Paulão 7 Cordas ou Mauro Diniz numa banda que escala a nata dos músicos do país .

A direção artística é de Max Pierre, lendário produtor brasileiro cujo dedo se percebe em discos de sucessos de artista como Elis Regina, Xuxa, Caetano Veloso, É o Tchan e até do disco O Circo Está Armado, da curitibana Relespública (2000). Pierre trabalha com Zeca há mais de 20 anos e hoje é sócio da produtora Zecapagodiscos.

“Meu samba depois dele ganhou outra qualidade. O samba tinha aquele arranjo pequenininho, mas com ele ganhou este ‘chiquê’. Ele sempre disse ‘deixa o Zeca fazer o que quiser, independente do preço’. O samba tem que ficar bacana”, diz.

Na verdade, foi Zeca quem conquistou o poder de fazer o que quer, pois seus discos vendem em média 400 mil cópias há 30 anos.

Hoje, ele é o principal nome da Universal Music, maior selo do país – para o qual trabalham Seu Jorge e Marisa Monte, entre outros.

O jornalista Sandro Moser viajou à convite da Universal Music.
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