A temporada de filmes que antecedeu o Oscar jogou holofotes em Ficção Americana, um belíssimo longa-metragem que colocou em discussão o mercado editorial americano, com foco no que se espera de autor negro, e com um tocante drama familiar sustentando tudo. Outro trabalho que abordou o mundo dos livros e uma crise de família teve menos sorte nas premiações: Verdades Dolorosas. Mas, para a nossa fortuna, o longa da sempre inspirada diretora e roteirista Nicole Holofcener chega agora ao streaming para que todos consigam fruir de seus irretocáveis 93 minutos. Ele está no Max (antigo HBO Max) e ainda pode ser alugado ou comprado via Google Play, Apple ou Amazon.
Julia Louis-Dreyfus, que fez fama no humorístico Seinfeld nos anos 90 e seguiu estrelando bons filmes e seriados, vive Beth, uma autora e professora de escrita criativa em crise por não conseguir publicar seu segundo romance. Ela enfrenta a atual realidade de não pertencer a uma minoria barulhenta nem de ter vindo de um lar em frangalhos (em dado momento, chega até a lamentar que os abusos de seu pai tenham ficado só nas palavras). Quem dá suporte ao seu momento complicado é o esposo Don (o inglês Tobias Menzies, da série The Crown, em performance irretocável), um terapeuta passando por maus bocados com seus pacientes e em dúvida se deve dar uma recauchutada na face com procedimentos cirúrgicos.
A simbiose do casal nova-iorquino é tão grande que chega a irritar pessoas próximas, caso do próprio filho, Eliot (Owen Teague), que não suporta ver os pais dividindo uma salada ou um sorvete, em perfeita comunhão. Pena que essa harmonia rui quando Beth escuta sem querer uma conversa entre seu cunhado e Don. O marido confessa não gostar do livro que a cônjuge acaba de escrever, portanto entende o fato dela não conseguir uma editora para publicá-lo. A revelação cai como uma bomba no matrimônio. Por que ele não foi sincero enquanto ela redigia o material? Mas o lugar dele não deveria ser esse de apenas incentivar a esposa, já que sua opinião poderia estar completamente equivocada?
Sabores agridoces
Nicole Holofcener, de 64 anos, já tinha trabalhado com Julia Louis-Dreyfus há uma década, no formidável À Procura do Amor, em que a eterna Elaine Benes de Seinfeld contracena com James Gandolfini, o eterno Tony Soprano, de Família Soprano. A especialidade da cineasta e escritora consiste em conduzir emocionantes e divertidos dramas familiares e histórias de amor com sabores agridoces. Quem se encanta com sua filmografia dificilmente não corre atrás da obra completa para gabaritar. Amigas com Dinheiro (2006) e Poderia Me Perdoar? (2018) são alguns dos destaques do seu currículo, sendo que pelo roteiro do segundo, dividido com Jeff Whitty, ela ganhou vários prêmios.
Em Verdades Dolorosas (originalmente, You Hurt My Feelings, “você me magoou”), Nicole joga nesse gramado que conhece bem e já fez golaços. Melhor ainda: conta com uma atacante (Julia) que tem familiaridade com seu esquema tático e vai bem tanto na comédia quando no drama. A parte cômica se dá muito na relação de Beth com o filho Eliot, que trabalha numa loja de produtos originários da cannabis. A cena mais engraçada do filme é ambientada justamente nesse polo “maconheirístico”, confirmando que a progenitora tinha razão em se preocupar com o desenvolvimento profissional do filho, alguém com potencial para ir mais longe, até mesmo superando Beth como autor de sucesso.
A relação de Don com seus pacientes também traz alívio cômico para a película. Ele contracena com humoristas profissionais, caso de David Cross, no papel de um marido que vai para a terapia de casal apenas para ficar brigando com a companheira. Já a questão séria que ele tem para resolver com Beth é explorada com muita delicadeza e verdade de ambas as partes, o que nem sempre é suficiente para findar uma sinuca de bico. Mas o tempo dá jeito em tudo e o espectador termina a experiência de assistir a Verdades Dolorosas com fé no casamento e cheio de vontade de amar.
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