A forte interferência do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, na nacionalização das reservas de petróleo e gás bolivianas foi comprovada ontem, durante entrevista do ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia, Andrés Soliz Rada. Segundo Soliz, Chávez levará a La Paz no dia 18 uma série de projetos cujo objetivo é reduzir o grau de dependência que os bolivianos têm da Petrobras. São exemplos a construção de uma unidade petroquímica em Villamontes, uma asfaltadora em Cochabamba e uma fábrica em Rio Grande, capaz de transformar o gás extraído em gás liquefeito, tecnologia que somente a estatal brasileira detém e que permite a exportação sem gasodutos. Chávez prometeu ainda entrar na área de distribuição de combustíveis, instalando postos de gasolina, e quebrando a hegemonia da Petrobras.
O aumento da presença da estatal venezuelana de petróleo, a PDVSA, é um caminho sem volta. Soliz afirmou que a Bolívia enviará à Venezuela 200 jovens que receberão treinamento em Caracas na área de exploração e produção de petróleo e gás e que vai importar, nas próximas semanas, 200 mil barris de diesel daquele país.
Aqui mesmo, na Bolívia, dizem que há imperialismo venezuelano, que a Venezuela seria o novo sanguessuga. Se fosse verdade, por que eles estão do nosso lado e não passam a vender gás para os EUA, que são um grande mercado? indagou o ministro, momentos antes de se reunir, no fim da tarde, com o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, e o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, em um encontro que continuava durante a noite. A presença da Venezuela é uma alternativa aos EUA.
Perguntado se está preocupado com a possibilidade de a Petrobras deixar o país diante destas iniciativas, complementares à nacionalização e ao repasse do controle acionário das refinarias, Soliz respondeu:
A Petrobras tem mais medo de sair daqui do que nós de perdê-la.
O ministro deu pistas de como a Bolívia jogará duro com a Petrobras. Deixou claro que ainda não sabe se o governo indenizará as petrolíferas, incluindo a Petrobras, por quebra de contrato. Além de a Constituição boliviana não prever este tipo de compensação, ele disse que não se sabe se foi pago um preço justo na privatização, no início dos anos 90.
Primeiro, temos de saber se pagaram mais ou menos pela refinaria. Na privatização, não se levaram em conta as reservas de gás e petróleo que havia na refinaria.
Soliz não quis comentar a escolha de novos diretores para a Petrobras Bolívia, passando por cima da estatal brasileira antes do fim do prazo de adequação ao decreto. A medida prevê transição de 180 dias. O presidente em exercício da Bolívia, Alvaro García, afirmou ontem que em até duas semanas os novos diretores começarão a exercer suas funções. A questão da nomeação foi um dos principais tópicos da reunião de ontem, que apreciaria também a alta do preço do gás. Não havia expectativa de que o encontro fosse conclusivo.
Soliz enfatizou que, para o governo boliviano, a presença das Forças Armadas nas refinarias da Petrobras visa a garantir o abastecimento normal de gás inclusive ao Brasil. Na terça-feira, o chanceler Celso Amorim chamou a ocupação militar das refinarias de "ato de adolescência".
Fim do prazo para saída de madeireira
Acaba hoje o prazo dado pelo governo boliviano para que a madeireira Caramanu, de um brasileiro e um boliviano, deixe suas instalações na província do Pando, na fronteira com o Acre. A Bolívia está expropriando a unidade, afirmando que ela está em área irregular. Em contatos com a embaixada do Brasil, o Ministério das Terras da Bolívia informou que pode fazer uso de força para garantir a retomada do local. Segundo fontes oficiais, a empresa recorreu à Justiça.
A tensão deixou em estado de alerta cerca de dois mil agricultores brasileiros que ocupam terras na área. Mas a embaixada do Brasil obteve do Departamento de Imigração do Ministério das Terras a promessa de que os pequenos produtores brasileiros não serão importunados. Funcionários afirmaram que a ofensiva contra a madeireira é um ato isolado, sem relação com a reforma agrária em gestação.
Antes de embarcar para Viena, onde participará da 4 Cúpula União Européia-América Latina e Caribe, o presidente boliviano, Evo Morales, disse que terras ocupadas ilegalmente serão retomadas.