Gustavo Selig, da Hestia: pastilhas de vidro importadas custam até 60% menos| Foto: Priscila Forone/ Gazeta do Povo

Consumidor feliz, empresário aflito

Massas, molhos, azeite de oliva, vinhos, perfumes e cosméticos são importados que não podem faltar na casa da contadora Anaise Bonfanti. Comprando no Brasil ou encomendando a amigos que viajavam ao exterior, ela sempre consumiu produtos estrangeiros, mas passou a usá-los mais nos últimos anos. "Eles ficaram mais acessíveis aqui, tanto no preço quanto na disponibilidade", diz.

A maior quantidade de opções também é percebida por Isaura Dall Stella. "Hoje ficou bem mais fácil encontrar, há uma grande variedade à disposição do consumidor", diz Isaura, que na sexta-feira escolhia um vinho do Porto – presente para uma amiga – no Mercado Municipal de Curitiba.

Leia a matéria completa

CARREGANDO :)
Veja a evolução da balança comercial nos últimos anos
Veja os produtos importados que mais ganham espaço no mercado nacional
CARREGANDO :)

De máquinas industriais a bebidas alcoólicas, de cosméticos a automóveis, o Brasil nunca importou tanto. Entre janeiro e junho, desembarcaram no país US$ 81,3 bilhões em mercadorias estrangeiras, o maior valor já registrado num primeiro semestre – e que supera com folga todo o montante importado nos 12 meses de 2005 (US$ 73,6 bilhões).

No embalo do barateamento dos produtos no mercado internacional, da valorização do real e, principalmente, do aquecimento da economia brasileira, as importações batem recordes em vários segmentos. Números do Ministério do Desenvol­vi­mento, Indústria e Comércio Ex­­terior (MDIC) mostram que neste ano as compras atingiram picos históricos em 37 dos 50 principais grupos de produtos importados pelo Brasil. Entre os itens recordistas há produtos cerâmicos, ferro e aço, pneus, brinquedos, frutas, laticínios e peixes.

Publicidade

Duas das quatro grandes divisões de produtos ainda estão aquém dos resultados da primeira metade de 2008, quando a crise internacional ainda não havia derrubado o comércio exterior brasileiro. Estão menores as importações de combustíveis e lubrificantes – menos necessárias à medida que a produção nacional cresce – e de matérias-primas, que ainda estão 1% abaixo do nível de dois anos atrás. Por outro lado, avançam as compras de bens de capital (aparelhos e equipamentos para a indústria), com alta de 9% sobre 2008, e, em ritmo ainda mais acelerado, as de bens de consumo (mercadorias prontas para a venda ao consumidor), cuja expansão beira os 40%.

Preços

O salto das importações pode estar ajudando a indústria brasileira a se modernizar, ao atualizar suas linhas de produção com máquinas importadas, e também colabora para segurar a inflação. Esse controle dos preços ocorre de forma direta, quando o país substitui produtos e matérias-primas nacionais por equivalentes estrangeiros mais baratos; e indireta, quando a importação obriga os produtores locais a baixar seus preços para não perder mercado.

"Com a crise norte-americana e, mais recentemente, a europeia, há um excesso de produção. Estados Unidos e Europa estão comprando menos, mas a produção chinesa não tirou o pé do acelerador. Com sobra de oferta, os produtos ficam mais baratos lá fora, e ainda mais competitivos no Brasil, por causa do câmbio", explica Nelson Luiz Paula de Oliveira, vice-presidente do Instituto Brasi­leiro de Executivos de Finanças (Ibef-PR).

A questão do preço foi determinante para a Hestia Cons­truções e Empreen­dimentos. Há cerca de um ano, a empresa decidiu abrir uma importadora, que traz da China e da Índia escoras metálicas, andaimes, porcelanatos e pastilhas de vidro. "Quando criamos a Hestia Import, os importados já eram de 30% a 40% mais baratos que os nacionais. Com o boom da construção em Curitiba e no Brasil, os produtos brasileiros ficaram com prazo de entrega cada vez mais longo, e ainda mais caros. Por isso, a diferença de preços hoje chega a 60% em alguns casos", conta Gustavo Selig, diretor-presidente da Hestia.

Publicidade

Até o início do ano, 80% do que a Hestia importava era usado na própria construtora do grupo; hoje, metade vai para concorrentes. "O interesse de outras construtoras e de lojistas é muito grande. Para o consumidor é interessante porque, com os importados, ele consegue manter ou aumentar o padrão de sua casa no acabamento, que é a fase da obra em que ele mais quer caprichar, mas também aquela em que ele tem menos dinheiro."

Consumo

A combinação de preços em queda e expansão do consumo doméstico – neste ano, o varejo brasileiro está crescendo 12% sobre 2009 – está por trás do aumento das importações da Wap, que duplicaram em relação ao ano passado. A empresa fabrica lavadoras e aspiradores de uso profissional em São José do Pinhais, na Grande Curitiba, mas traz da China toda a linha de equipamentos de uso doméstico. "Hoje 80% de nossas vendas são da linha doméstica, mas até o fim do ano esse porcentual deve chegar a 85%. Esse mercado está crescendo muito rápido, na faixa de 30% a 40% ao ano. Até porque, graças ao câmbio, uma lavadora importada que há alguns anos custava R$ 900 hoje custa R$ 450."

Tributos

A expansão das compras externas poderia ser ainda mais violenta se o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tivesse implementado a ideia de reduzir os tributos de importação. Em abril, ele disse que a medida poderia ser adotada caso as pressões inflacionárias ficassem fortes demais. "Ainda que tal redução seja uma hipótese válida para segurar a inflação, deve-se estudar outras medidas para contê-la no longo prazo", diz o advogado tributarista Raphael Bernardes da Silveira, sócio da Bernardes, Silva & Rabello Advogados e Consultores.

Publicidade

Para ele, o governo deveria estimular o aumento da capacidade produtiva da indústria brasileira, reduzindo impostos tanto dos bens de capital nacionais quanto dos importados. Aliás, o fato de a indústria brasileira estar cada vez mais próxima do limite máximo de produção é um dos fatores que, para alguns economistas e o Banco Central, estaria empurrando para cima a inflação – e exigindo aumentos na taxa de juros. "A redução tributária dos bens de capital permitiria o aumento da capacidade da indústria e a redução dos custos de produção. Assim, os produtos chegariam ao consumidor final com um valor mais baixo", argumenta Silveira.