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Paul Krugman

A vida, a morte e o déficit

O cenário político dos Estados Unidos anda infestado por muitas ideias-zumbi – crenças políticas que já foram refutadas repetidamente com provas e análises, mas que se recusam a morrer. O zumbi de maior destaque é a insistência de que abaixar os impostos sobre os ricos é a chave para a prosperidade. Mas há outros.

E, no momento, o mais perigoso zumbi é a alegação de que um aumento na expectativa de vida justifica um aumento na idade mínima para beneficiários do Medicare [programa de saúde nacional para indivíduos acima de 65 anos ou portadores de necessidades especiais] e da aposentadoria via Previdência Social. Até mesmo alguns democratas – incluindo, segundo relatórios, o próprio presidente – parecem suscetíveis a esse argumento. Mas é uma ideia insensata e cruel – cruel no caso da Previdência Social, insensata no caso do Medicare – e não deveríamos deixá-la comer nossos cérebros.

Em primeiro lugar, precisamos entender que a expectativa de vida ao nascer subiu muito, mas isso não é relevante para o assunto; o que importa é a expectativa de vida daqueles que atingiram a idade para se aposentar, ou estão próximos dela. Quando, por exemplo, Alan Simpson – copresidente da comissão de Obama para lidar com o déficit – declarou que a Previdência Social "jamais foi planejada para ser um programa de aposentadoria", porque a expectativa de vida quando foi fundada era de apenas 63 anos, ele estava demonstrando sua própria ignorância. Mesmo em 1940, os norte-americanos que chegavam aos 65 anos de idade tinham, em geral, muitos anos ainda por vir.

Agora a expectativa de vida aos 65 anos subiu também. Mas, desde a década de 1970, é um aumento muito desigual, e apenas os norte-americanos ricos e com educação formal se beneficiaram dele. Mantenhamos em mente também que a idade de aposentadoria subiu para 66 e deverá subir para 67 sob a legislação atual.

Isso significa que aumentar ainda mais a idade mínima para aposentadoria seria um golpe duro contra os cidadãos que se encontram no extremo mais baixo da distribuição de renda, que não estão desfrutando de uma maior expectativa de vida e que, em muitos casos, têm empregos que exigem um esforço físico difícil de ser realizado, até mesmo para idosos saudáveis. E essas são precisamente as pessoas que mais dependem da Previdência.

Por isso, qualquer aumento na idade mínima seria, como eu disse, cruel, prejudicando os norte-americanos mais vulneráveis. E essa crueldade é gratuita: por mais que os EUA tenham um problema orçamentário a longo prazo, a Previdência não é um fator de maior relevância nesse problema.

O Medicare, por outro lado, é um grande problema orçamentário. Mas aumentar a idade mínima, que forçaria os idosos a irem atrás de planos de saúde privados, não é o modo correto de se lidar com esse problema.

É verdade que, graças ao "Obamacare", deveria ser possível para os idosos conseguirem cobertura mesmo sem o Medicare (mas ninguém sabe o que aconteceria se um grande número de estados bloquear a expansão do Medicaid [programa de saúde para famílias de baixa renda], que compõe uma parte crucial do programa). Mas sejamos claros: oferecer seguro de saúde pelo governo via Medicare é uma opção melhor e financeiramente mais sensata do que o plano de saúde privado.

E vocês podem estar se perguntando por que motivos a reforma do sistema de saúde não simplesmente expandiu a cobertura do Medicare para todos os cidadãos dos EUA, em vez de montar um sistema que continua dependente de seguradoras privadas. E é claro que a resposta é: realismo político. Dada a força da indústria das seguradoras, a administração Obama terá de manter essa indústria no jogo. Mas o fato de que o Medicare para todos seria politicamente impossível não é motivo para tirar milhões de norte-americanos de um sistema bom para jogá-los em outro ruim.

O que aconteceria se aumentássemos a idade mínima para o Medicare? O governo federal não economizaria mais que uma pequena quantia de dinheiro, porque os idosos mais jovens têm uma saúde relativamente boa e por isso custam menos. No entanto, esses idosos terão de arcar com um aumento brusco dos gastos dos seus próprios bolsos. Como é que alguém pode ver uma troca dessas como sendo uma boa política?

O ponto final é que aumentar a idade mínima para beneficiários, tanto da Previdência Social, quanto do Medicare, seria um ato destrutivo e pioraria a vida dos norte-americanos sem contribuir de nenhuma maneira significativa para a redução do déficit. Os democratas, em particular, que sequer cogitarem em levar essas alternativas em consideração, precisam parar para pensar a sério sobre o que estão fazendo.

Mas, perguntam os papagaios do déficit, o que gente como eu propõe que se faça a respeito do aumento dos custos? A resposta é fazer o que qualquer país avançado faz e se esforçar seriamente em segurar os gastos com a saúde. Dar ao Medicare a habilidade de barganhar os preços de remédios. Deixar que o Conselho Consultivo para Pagamentos Independentes [IPAB, na sigla em inglês], criado como parte do "Obamacare" para ajudar o Medicare a controlar gastos, faça o seu trabalho, em vez de condená-lo como sendo um "comitê da morte" (e não é esquisito que esse pessoal que faz discursos demagogos reclamando das tentativas do Medicare de poupar dinheiro seja o mesmo que quer negar de uma vez por todas esses serviços às pessoas?). Nós estamos cientes de que temos um sistema de saúde com incentivos problemáticos e custos inflados, então, por que não tentamos consertá-lo?

O que sabemos, com certeza, é que não há um único bom argumento a favor de se negar aos norte-americanos acesso a programas dos quais eles dependem. Esse deveria ser um limite em todas as negociações sobre o orçamento, e só podemos ter a esperança de que Obama não traia aqueles que o apoiam ultrapassando esse limite.

Tradução: Adriano Scandolara.

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