Dezessete anos depois de chegar ao Brasil para participar do processo de privatização do setor de telecomunicações, o empresário israelense Amos Genish, co-fundador da GVT, decidiu “dar um tempo”. O executivo deixa no fim deste ano a presidência da Telefônica Vivo, cargo que assumiu após a operadora ter comprado a companhia paranaense, em 2014 –uma rara ocasião em que um profissional de uma empresa adquirida assumiu de imediato as rédeas da compradora. Mas, antes de sair de cena, Genish quer deixar um recado claro (e urgente) para o setor: a telefonia, mais do que nunca, precisa se reinventar.
Genish, que apesar da longa trajetória em solo brasileiro ainda mantém um sotaque carregado e não raro troca termos em português por inglês, foi uma das figuras mais presentes pelos corredores e painéis da Futurecom, maior evento de TI e telecomunicações da América Latina, que ocorreu nesta semana em São Paulo. O executivo não poupou esforços para disseminar sua tese de que as operadoras vivem um momento “change or die” (mude ou morra) e precisam abraçar novos negócios para se manterem relevantes em um mercado cada vez mais digital.
Novos planos
Amos Genish diz que decidiu deixar a presidência da Telefônica Vivo por vontade própria – a partir de 1º de janeiro de 2017, ele será substituído pelo brasileiro Eduardo Navarro de Carvalho, diretor chefe comercial do grupo na Espanha. O co-fundador da GVT faz segredo sobre seus próximos projetos, mas diz que sua saída “não é uma despedida do mercado de telecom brasileiro, mas um intervalo”. “Foi um ciclo de muitos anos, vinte anos no mesmo projeto, mudou a forma,o nome, mas é o mesmo projeto. E aí decidi por razões pessoais terminar esse ciclo e começar um novo”, afirma.
O cenário trazido pelo presidente da Vivo não é novidade –basta observar a contínua derrocada das receitas com voz e a concorrência com aplicativos como o WhatsApp –, mas a sua “cartilha” traz novos insights para o setor. Para Genish, por exemplo, a prática de cobrar os usuários por minutos nas chamadas de voz está ultrapassada e pode deixar de existir nos próximos anos. “Estamos mudando para um mundo onde a cobrança é pela conectividade, que pode ser usada para voz, dados, vídeo ou aplicativos. Hoje já é difícil convencer o nosso cliente a pagar por voz, imagine daqui a cinco anos. Quem não se preparar para essa mudança vai ter dificuldade de ter um modelo sustentável”, reforça.
Transição
É justamente essa realidade que, segundo o executivo, obriga desde já as operadoras a buscarem outras frentes de receita e entrarem em novos mercados, como a publicidade online e o streaming de vídeo e música. Para Genish, o futuro das companhias – não somente da Vivo, ressalta – é a transformação de operadoras em “provedores de serviços digitais”.
“Para termos um share (fatia) justo neste ecossistema, precisamos mudar o modelo de negócios. Essa mudança não é simples, é complicada, dura até. Mudar um modelo que existe há 100 anos baseado em voz e, agora, em dados, é uma mudança radical. Mas você precisa mudar ou não vai ser relevante como telco (empresa de telecomunicações) nos próximos cinco, dez anos”, crava.
A tese de Genish reforça que, apesar do tráfego de dados ser uma receita crescente para as operadoras, não será sustentável a curto prazo para o setor oferecer apenas conectividade. Aqui, pelo menos, o exemplo da Vivo vêm à tona. A operadora lançou nesta semana, em parceria com a francesa Vivendi, um serviço de streaming de séries próprias nos moldes do Netflix e, em maio, lançou o Vivo Ads, plataforma de publicidade que já conta com 13 clientes – uma das estratégias é entregar pacotes de dados extras para clientes que assistirem a um vídeo publicitário e responderem uma pergunta sobre o anunciante.
Executivo prega “paz” das operadoras com aplicativos e discussão mais ampla sobre franquias na internet fixa
Nos quase dois anos em que esteve à frente da Telefônica Vivo, Amos Genish se viu envolvido em polêmicas que despertaram a ira de parte dos consumidores. Em agosto de 2015, o empresário subiu o tom das críticas aos serviços “over the top” (OTTs), principalmente o WhatsApp, dizendo que o aplicativo de mensagens era “pirataria pura” e que as operadoras precisavam “acordar” e não cooperar com o serviço. A declaração, feita em um painel durante um evento do setor, repercutiu (e muito) na imprensa. “Me tornei famoso por isso”, brinca Genish.
A saia justa mais recente, e que perdura até hoje, foi a proposta de limitar as franquias de dados na internet fixa, anunciada pela Vivo em fevereiro deste ano. A reação contrária dos órgãos de defesa do consumidor e até de autoridades do governo federal foi imediata – a medida acabou proibida pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Hoje, em vantagem por estar de saída da Vivo, o executivo assume uma postura mais conciliatória. Segue defendendo isonomia tributária para as operadoras e OTTs, mas reforça que a saída é diminuir os impostos das teles – e não passar a tributar o WhatsApp e afins. “Competimos com as OTTs em alguns aspectos, mas temos também bastante parceria com elas. É uma convivência interessante. Não queremos puxar fora as OTTs do ecossistema digital. Elas estão lá, são mais fortes, maiores do que nós, começaram antes de nós. Queremos é ganhar uma participação justa nesse negócio enorme”, diz.
Quanto à intenção de limitar o tráfego de dados na internet fixa, Genish diz que este é um “assunto bem paralisado” e está neste momento fora do radar das operadoras. O executivo reconhece que a discussão foi antecipada da maneira errada no início do ano e diz que as empresas estão mais “sensíveis” à reação dos consumidores. “Não podemos colocar esse assunto na mesa sem uma conversa mais aberta com os órgãos de defesa do consumidor, com a Anatel, com o governo. Acho bom que agora estamos uma etapa atrás, repensando o modelo. Não podemos imaginar mais que as operadoras vão tomar decisões unilaterais, dizendo “agora esse é o nosso pacote, aceite ou não’. Isso não existe mais”, defende.
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