Um dos riscos econômicos da acentuação da crise política é ocorrer uma espécie de “argentinização”. No país vizinho, uma crise política acompanhada de grande descontentamento econômico, em 2001, descambou para o calote da dívida pública, a ascensão do kirchnerismo e o desencadeamento de uma política econômica populista.
Guardada as devidas proporções, o cenário político do Brasil lembra o clima de instabilidade vivido pelos argentinos no início do século XXI. A Argentina teve cinco presidentes e dois ministros da Fazenda em menos de um mês, as pessoas foram para as ruas protestar diariamente contra o governo e muitas correram aos bancos para sacar dinheiro e trocar por dólares, que tinha paridade com o peso.
Para conter esse movimento, o governo argentino resolveu implantar o impopular “corralito”, ou seja, congelou os depósitos e estabeleceu limites para retirada de dinheiro da conta corrente e poupança. A situação se tornou insustentável, com invasões a estabelecimentos comerciais e confrontos nas ruas. O governo decretou, então, a moratória da dívida pública, estimada em US$ 100 bilhões.
Todo esse caos político e econômico levou a uma saída populista: a eleição de Nestor Kirchner em 2003, que resultou na implantação do “kirchnerismo” durante 12 anos. No Brasil, a semelhança está no fato de vivermos uma recessão econômica, com alta da inflação e falta de confiança e investimento do setor privado. Outra similaridade é a queda da popularidade do governo, que enfrenta nas ruas uma série de protestos que pedem pelo impeachment ou renúncia da presidente Dilma Rousseff.
Na visão do economista e professor da USP e pesquisador do Ceper/Fundace, Luciano Nakabashi, a ameaça de o país viver consequências econômicas similares à Argentina é real. “Estamos em uma trajetória de calote da dívida pública”, diz Nakabashi.
Para ele, a volta de Lula indica que o governo pretende retomar as medidas que seriam a causa da recessão, como o descontrole fiscal, o estímulo ao crédito, o controle dos preços administrados, o afastamento do capital estrangeiro e a proteção a segmentos específicos. “Já temos uma década perdida e pode se transformar em mais duas se continuarmos cometendo os mesmos erros do passado”, afirma.
Apesar de avaliar que a situação do Brasil é distinta da vivida pela Argentina, o economista da PUC-RJ José Márcio Camargo acredita que a permanência da presidente Dilma no governo pode resultar em uma economia com medidas populistas, já que o foco será sustentar a sua permanência no poder. Se essa situação se concretizar, o especialista acredita na exacerbação da pressão inflacionária e na desvalorização cambial, com novos rebaixamentos do país pelas agências de classificação de risco. Camargo descarta, porém, um calote da dívida pública.
Se há quem veja a economia brasileira em uma guinada ao populismo, o economista e professor da UFRGS Ronald Otto Hillbrecht diz que já vivemos em um “capitalismo de compadres”, de cooptação política e econômica. “Esse modelo já está em ação e é difícil prever qual vai ser a solução.” O especialista acredita que há possibilidade do governo federal monetizar a dívida, ou seja, emitir moeda para pagar as suas contas. “Meu maior medo é da ‘venezuelização’, com o completo colapso da economia”, afirma Hillbrecht.
Estabilidade
A tese do “risco populista” é completamente refutada por quem defende uma saída da crise via gasto público. O cientista político e professor de relações internacionais e economia da Facamp e Faculdades Rio Branco, Pedro Costa Júnior, diz que a nomeação de Lula como ministro é a forma que o governo encontrou para trazer estabilidade política e tentar retomar o crescimento. O especialista acredita que, se o governo conseguir implantar uma política econômica expansionista, com diminuição da taxa de juros e aumento da atuação do BNDES, a economia deve se recuperar.