O Banco Central tenta alinhar as expectativas do mercado para uma alta iminente dos juros ao mencionar as condições de crédito como um fator de definição da política monetária, após meses de previsões díspares sobre a Selic.
Em uma reunião com economistas normalmente usada para colher informações, e não emitir pronunciamentos, o presidente do BC, Henrique Meirelles, citou na quinta-feira o desenrolar do caso Panamericano para passar a mensagem de que um fator contra a alta dos juros já não existe mais. Além disso, o BC fez questão de tornar públicas essas declarações ao divulgar o vídeo do encontro.
"O relevante é que o BC tinha a informação já para o Copom de julho e, certamente para o de setembro, que tinha um problema", afirmou Meirelles, que considerou haver "um risco importante" para as condições de crédito futuras, ainda que num primeiro momento o BC não conseguisse identificar a fonte do problema.
Em julho, o Copom elevou os juros para o atual patamar, a 10,75 por cento, e contrariou as expectativas de parte dos agentes, que previam uma elevação maior.
"Dá a sensação de que ele achava que poderia ter aumentado o juro e não aumentou. Como agora tem inflação e o Panamericano está equacionado, deve ter alta", disse André Perfeito, economista da Gradual Investimentos, que participou da reunião do BC com economistas em São Paulo.
Para Roberto Padovani, estrategista-chefe do banco WestLB do Brasil que também compareceu ao encontro, foi "um recado muito forte. Só não subiram mais antes por causa do crédito".
A fraude contábil no Banco Panamericano foi revelada somente em 9 de novembro, com a divulgação de um aporte de 2,5 bilhões de reais do acionista controlador, o grupo Silvio Santos. As atas das reuniões do Copom de julho e de setembro não traziam nenhuma menção a riscos para o crédito.
O recente aumento da inflação, pressionada pelos custos dos alimentos, já criava apelos para uma alta do juro. Mas, após a interrupção surpreendente do ciclo de aperto monetário, o mercado não interpretava os sinais do BC de maneira uniforme.
A pesquisa mais recente da Reuters, datada de outubro, mostrava por exemplo que seis de 17 analistas esperavam manutenção da Selic em 2011. Dos 11 que apostavam em alta, as apostas estavam espalhadas entre o primeiro trimestre, abril e meados do ano.
Nesta sexta-feira, o Banco Fator antecipou a previsão de alta da Selic de janeiro para dezembro. Já a Itaú Corretora alterou a projeção de aumento do juro de abril para janeiro.
No mercado de juros futuros, a subida dos contratos de DI de janeiro de 2011 significa que há tesourarias trabalhando com a possibilidade de um aumento da Selic já na próxima reunião, em dezembro. "O pessoal precisa travar as posições em aberto", disse o operador de uma corretora.
Crédito importa mesmo?
Apesar do BC ter apresentado somente agora um fator importante para a condução da política monetária, economistas não veem um risco à credibilidade da instituição.
"Não mexe muito. O que se questiona é mais os argumentos técnicos que o Banco Central usa para justificar as decisões", disse Raphael Martello, analista da Tendências.
Uma questão levantada, por exemplo, é se os riscos ao cenário de crédito realmente precisam ser levados em conta de agora em diante, ou se o Banco Central não estaria usando o caso Panamericano como pretexto para justificar a mudança no enfoque do seu discurso na condução das expectativas do juro.
Para um economista que participou da reunião, mas não quis ser identificado, a justificativa de que os juros não subiram por causa do banco Panamericano "é conversa para boi dormir".
"Acho que não aumentou por uma série de outras questões também. Teve o período eleitoral que trouxe ruído... E existia uma visão de que o cenário externo ia contribuir de forma benigna pra inflação", completou o economista.
Já para José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, a história "bate com as datas".
"O Meirelles tem dito que um dos aprendizados da crise é que os modelos econométricos não consideram as condições de crédito. Estou muito curioso para ver a ata da reunião de dezembro."
A questão que permanece foi resumida por Padovani, do WestLB. "Tem uma coisa um pouco estranha no modelo do BC: eu não sei como eles incorporam a questão do crédito."
Conveniência política
Apesar do consenso cada vez mais forte por uma alta dos juros, resta também a dúvida sobre qual o melhor momento, do ponto de vista político, para iniciar o processo. Meirelles começa o ciclo já em dezembro, atraindo para si o desgaste da decisão, ou passa a bola para o próximo presidente, Alexandre Tombini, que poderia reforçar a imagem de que o BC continuará autônomo no governo Dilma Rousseff?
Para Perfeito, da Gradual, o resultado do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), com divulgação prevista para 8 de dezembro --junto com a próxima decisão do Copom-- deve pressionar por uma alta da Selic, ao mostrar um número mensal de quase 1 por cento, na estimativa de analistas.
Outra questão em aberto é o efeito da política fiscal mais rígida sobre a Selic. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já prometeu mais de 20 bilhões de reais em cortes de gastos em 2011, o que diminuiria a necessidade de um aumento do juro, mas o mercado ainda quer ver o discurso sair do papel.
"Eles querem tirar a Eletrobras do superávit primário", exemplificou Moacir Marcos Júnior, operador de câmbio da corretora Interbolsa, criticando a proposta de retirar a estatal do cálculo do superávit primário --vista por alguns analistas como um sinal de leniência com os gastos. "Acho que atrapalha mais a curva de juros."
Segundo a assessoria do BC, a divulgação do vídeo da reunião de quinta-feira --que não contou com a participação de Tombini-- ocorreu para evitar "assimetria de informações". A instituição vem fazendo um esforço recentemente depois de vários ruídos de comunicação.
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