Alguns dias após o Banco Internacional de Compensações (BIS), com sede na Suíça, aplacar os receios de que há uma fuga de capitais da China, novos dados sobre comércio jogaram luz sobre um caminho usado para retirar bilhões em recursos ilegais do país asiático: mercadorias fantasmas.
Um aumento nas importações chinesas vindas de Hong Kong levantou a suspeita de que documentos de embarque estão sendo manipulados para retirar capital do país diante do medo de que o yuan vai continuar se depreciando. Dados de fevereiro mostram que as importações cresceram 89% em um ano, enquanto as exportações caíram 15%.
Economistas afirmam que a alta segue um padrão pouco usual nos últimos meses, ressaltando a existência de empresas que estariam pagando mais do que valem as mercadorias importadas, ou por produtos que nem existem.
“Houve um crescimento enorme nos pagamentos”, diz Andrew Collier, um analista independente de Hong Kong e ex-presidente do Banco da China nos Estados Unidos. “Chineses com boas conexões em empresas estatais ou privadas estão usando todas as ferramentas possíveis para elevar os pagamentos ao exterior.”
A fuga de capital da China cresceu em 2015 com investidores preocupados com a possibilidade de as autoridades enfraquecerem a cotação do yuan para reverter a desaceleração da economia. O Banco da China insiste que não pensa em mudar drasticamente sua política cambial e gastou bilhões de dólares das reservas internacionais do país para defender o valor da moeda.
Como a China mantém regras rigorosas para a saída de capitais, quem quer exceder os limites legais disfarça o fluxo de recursos como se fossem pagamentos a mercadorias importadas de outros países, em especial Hong Kong. Segundo economistas, os dados da balança comercial de janeiro e fevereiro foram distorcidos por esta atividade.
“Distorções de dados por causa dos fluxos ilegais de recursos são um problema”, afirmaram os economistas Tom Orlik e Fielding Chen, da Bloomberg Intelligence, em um relatório. Eles dizem que US$ 880 milhões em importações chinesas somente em janeiro eram suspeitos.
Superfaturar o valor de uma importação dá a uma empresa ou pessoa a oportunidade de contornar os controles cambiais. Por isso, o governo chinês vem tomando medidas para tentar fechar esse e outros canais, como a compra de seguros em outros países, até a criação de “pools” de amigos e familiares para usar suas cotas (o governo permite a retirada de US$ 50 mil por ano) para tirar somas maiores de recursos.
Ainda assim, as fronteiras chinesas são “porosas”. Isso aparece especialmente no superfaturamento de importações e exportações, segundo uma pesquisa do Deutsche Bank. Economistas do banco alemão estimam que esse caminho permitiu a saída de US$ 328 bilhões entre agosto e janeiro, ou 78% da redução nas reservas do país.
A China já registrou problemas com declarações falsas de importação no passado. Em 2013, o governo admitiu que os dados da balança comercial foram inflados com o objetivo de introduzir recursos no país.
Nem toda saída de capital pode ser creditada à fuga de investidores. Empresas chineses estão comprando competidores estrangeiros em um ritmo recorde. E uma nova análise do BIS concluiu que parte da saída de recursos era de empresas pagando dívidas e também reduzindo seus depósitos em yuan no exterior.
Assim, a fuga de capitais da China tem “duas narrativas diferentes”, dizem os pesquisadores do BIS. “Uma fala em investidores vendendo seus ativos em massa; a outra fala em empresas chinesas pagando suas dívidas em dólares. Nossa análise favorece o segundo ponto de vista, mas também aponta para algo que as duas narrativas deixaram de lado – o encolhimento de depósitos no exterior em yuans.”
As reservas da China se reduziram em m ritmo menor no mês passado, quando os mercados se normalizaram. Elas caíram US$ 28,6 bilhões, para US$ 3,2 trilhões, a menor queda desde junho. Mesmo assim, analistas alertam que a incerteza sobre o futuro da moeda chinesa significa que a fuga de capital ainda não acabou. O maior medo é que famílias chinesas acelerem o movimento para tirar suas poupanças do país.