O processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff caminha para a troca no comando do país. É difícil dizer quanto a crise econômica pesa em uma decisão dessas no Congresso, mas há sinais de que a existência de um plano alternativo – a ponte para o futuro do PMDB de Michel Temer – deu um argumento a mais para o voto contra Dilma. As propostas da equipe econômica não convencem como saída para a crise atual e o apoio à presidente pode ser interpretado como ratificação dessa política.
O plano apresentado pelo PMDB parte do diagnóstico correto de que o primeiro passo é o ajuste fiscal. É preciso desvincular despesas e fazer com que o Estado gaste menos. O contrário do que a maioria do Congresso, PMDB inclusive, fez em votações recentes. Nas últimas duas décadas o gasto do governo vem subindo acima do PIB, em uma trajetória insustentável. Fala-se no mercado e no próprio documento do plano Temer em um “orçamento base zero”, importando o termo do mundo dos negócios. Ou seja, o orçamento a cada ano incluiria só os gastos possíveis e necessários.
Isso só daria certo com uma reforma constitucional. As vinculações para saúde e educação, por exemplo, estão na Constituição. É lá também que o salário mínimo aparece como indexador básico das aposentadorias – uma das ideias é desvincular as duas coisas –, entre outras regras que emperram cortes. A dificuldade em aprovar uma reforma desse tipo pode levar um novo governo a optar pela desvinculação parcial e uma regra de transição leve para a Previdência, sem entrar na discussão da aposentadoria no setor público. Foi o Congresso que está aí que aprovou a ruinosa conta da aposentadoria 85/95, é bom lembrar.
A aprovação dessas duas reformas seria um pequeno milagre que não pode ainda ser descartado. O problema é que a pauta que vem depois é extensa e inclui coisas que o Congresso não gostaria de mexer, como a regressividade do Imposto de Renda e as desonerações e subsídios que são a razão de ser da relação entre governo e setor privado. O Estado subsidia a atividade econômica com sua taxa de juros de longo prazo para baratear empréstimos do BNDES e juros camaradas para o setor agrícola. Desonerações pontuais estão espalhadas por centenas de leis.
Um outro exemplo de como a prometida guinada liberal proposta pode ser na prática menos ampla do que se imagina está nas privatizações. O documento do PMDB toca de leve no tema ao falar em transferência de ativos para a iniciativa privada, o que é vago o suficiente para, mais adiante, se falar em melhoria da gestão das estatais. A maior abertura para a iniciativa privada não vai tocar nas centenas de nomeações nas estatais brasileiras.
A oportunidade de reforma aberta pelo impeachment é mais estreita do que parece, portanto. Possivelmente tocará apenas no essencial, que é uma estabilização do orçamento e, quem sabe, uma revisão nas regras da Previdência. Sem isso, qualquer governo que seja pode se dar por arruinado. Alguma modernização regulatória (como nas lei trabalhistas e em regras de concessões) é até possível, só que não parece haver legitimidade do mundo político para enfrentar a questão do papel do Estado na economia.
Há pouca aprovação no Brasil para um aprofundamento da economia de mercado. A maioria das pessoas não toparia privatizar a Petrobras ou outra estatal qualquer. E isso serviu como escudo para o governo ressuscitar a Telebrás e perder milhões em fábricas de microchips e afins. A opinião geral também é contra cobrar mensalidades em universidades públicas, acabar com Zona Franca de Manaus ou com o sistema S, algumas das conquistas mais caras da relação entre público e privado no Brasil.
Resolver o nó fiscal reduz os juros, abre espaço para uma melhora no crescimento e diminui a pressão que derrubou investimentos do setor privado e criou o clima de depressão. É o suficiente para a vida voltar ao normal. Insuficiente para a reformulação do sistema político e a correção de distorções que seguram o crescimento do país.