O herdeiro que deixa de apresentar bens no inventário perde o direito sobre eles, conforme prevê o artigo 1992 do Código Civil. O denominado instituto sonegados existe para que os herdeiros e/ou interessados na herança (legatário, testamenteiro, credores do espólio e eventuais cessionários) tenham a exata noção de que, ao descumprir seu dever jurídico e moral de informar os bens que receberem através de doação do de cujus, ou informar no processo de inventário os bens que estão em sua posse ou em posse de terceiros, incorrerão em pena civil consistente na perda do direito sucessório do bem sonegado. O bem sonegado torna-se inexistente ao sonegador para fins de partilha.

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Contudo, ante o princípio da proporcionalidade, essa punição extrema exige a demonstração de que tal comportamento foi movido por má-fé. Esse é o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, que em recente julgado objeto do REsp 1267264, manteve a decisão da segunda instância em ação ajuizada por uma herdeira contra a viúva e outros herdeiros de seu falecido pai.

Segundo o processo, no curso de investigação de paternidade movida pela filha foram transferidas cotas de empresas para o nome da viúva, que, casada em regime de comunhão universal, era meeira. Os demais herdeiros alegaram que as cotas foram transferidas pelo falecido ainda em vida, razão pela qual deixaram de apresentá-las no inventário.

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Ante o princípio da proporcionalidade, a punição extrema exige a demonstração de que tal comportamento foi movido por má-fé

Em primeira instância, a sentença determinou a sobrepartilha das cotas e a perda do direito dos herdeiros sonegadores sobre elas. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) reconheceu a sonegação, mas afastou a penalidade por entender que não houve dolo.

Ao julgar recurso da autora da ação, a Terceira Turma do STJ concluiu que a aplicação da pena prevista no artigo 1.992 seria desproporcional, tendo em vista que a transferência de cotas sociais foi realizada entre cônjuges casados em comunhão universal.

Para o relator, ministro João Otávio de Noronha, no regime da comunhão universal cada cônjuge tem a posse e a propriedade em comum de todos os bens, cabendo a cada um a metade ideal. “Portanto, o ato de transferência de cotas de sociedades limitadas entre cônjuges é providência inócua diante do inventário, já que os bens devem ser apresentados em sua totalidade e, a partir daí, respeitada a meação, divididos entre os herdeiros”. Acrescentou ainda que não haveria como esconder esses bens. De acordo com o ministro, o afastamento da pena pelo tribunal de origem se baseou na inexistência de prejuízo para a autora da ação.

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Em primeira instância, a sentença determinou a sobrepartilha das cotas e a perda do direito dos herdeiros sonegadores sobre elas, remanescendo, assim, o direito exclusivo sobre as cotas da referida empresa para a filha que alegou a sonegação. Todavia, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reconheceu a sonegação, mas afastou a penalidade por entender que não houve dolo.

“É dever do inventariante e dos herdeiros apresentar todos os bens que compõem o acervo a ser dividido”, afirmou Noronha, para quem é natural pensar que o sonegador age com o propósito de dissimular a existência do patrimônio. Mas a lei, segundo ele, prevê punição para o ato malicioso, movido pela intenção clara de sonegar.

Para que se justifique a aplicação da pena, comentou o ministro, é necessária “a demonstração inequívoca de que o comportamento do herdeiro foi inspirado pela fraude, pela determinação consciente de subtrair da partilha bem que sabe pertencer ao espólio”.

“Uma vez reconhecida a sonegação, mas tendo o tribunal de origem verificado ausência de má-fé, é de se manter a decisão, pois, sendo inócua a providência adotada pelos herdeiros, providência até primária de certa forma, já que efeito nenhum poderia surtir, a perda do direito que teriam sobre os bens sonegados se apresenta desproporcional ao ato praticado”, finalizou o ministro Noronha.

Portanto, a penalidade prevista no artigo 1992 do Código Civil, correspondente à perda dos direitos de herdeiro sobre os bens sonegados em inventário, somente tem incidência caso demonstrada a má-fé e a intenção de fraudar e o inequívoco prejuízo aos demais herdeiros.

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Geroldo Augusto Hauer é sócio-fundador, G.A.Hauer Advogados Associados (geroldo@gahauer.com.br). Colaboração: Juliane Zancanaro Bertasi, G.A.Hauer Advogados Associados).