O contribuinte honesto, cumpridor pontual de suas obrigações perante o Fisco federal, paga um preço brutal quando se vê prisioneiro da malha fiscal em razão de despesas médico-hospitalares lançadas como abatimentos da renda bruta.
Como se sabe, lamentavelmente instalou-se no país uma desconfiança generalizada em relação a recibos firmados por médicos e demais profissionais da saúde. É forçoso admitir que existe mesmo uma rede voltada à emissão fraudulenta de tais recebidos, fomentada por profissionais inescrupulosos, incluindo contadores.
Nos grandes centros, rotineiramente são constatados crimes dessa natureza, contra a ordem econômica e tributária, sujeitando seus protagonistas às teias da Polícia Federal, com encaminhamento dos inquéritos à Procuradoria da República para a devida representação da ação penal.
Se, por um lado, essa realidade vem sendo combatida com o rigor da lei, por outro, tem gerado situações humilhantes para o contribuinte que não participa dessa promiscuidade. Quando intimado a comprovar despesas relacionadas ao custeio de sua saúde e de seus dependentes, o fisco exige-lhe, além do recibo ou da nota fiscal hospitalar, a prova cabal do pagamento, seja por cheque, por depósito ou em dinheiro vivo. Não raro, exige também prontuários médicos sigilosos, exames, diagnósticos extratos bancários e quejandos.
Mesmo quando a despesa paga em dinheiro a profissional idôneo ou a estabelecimento médico ou hospitalar regularmente estabelecido representar valor escancaradamente compatível com os rendimentos do fiscalizado, o Leão exige a prova esquizofrênica de que o contribuinte sacou no banco aquela exata importância, naquele exato dia e em horário comprovadamente anterior ao pagamento.
Com o máximo respeito aos abnegados fiscais, nesses casos, quando deliberadamente não se separa o joio do trigo, as exigências constituem não apenas estúpida recalcitrância, mas, sobretudo, afronta aos diplomas legais em vigor no país, notadamente à Constituição Federal e ao Código Civil. O próprio Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda tem valorizado em suas decisões o conjunto probatório dos fatos, não admitindo suspeitas infundadas, a menos que se demonstrem indícios veementes de fraude.
Em outras palavras, a fiscalização não pode fazer letra morta a literalidade normativa disposta no artigo 8º da Lei 9.250. O dispositivo diz que é dedutível da renda bruta o total dos pagamentos efetuados, no ano-calendário, a médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e hospitais, bem como as despesas com exames laboratoriais, serviços radiológicos, aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias.
No mencionado dispositivo não se verifica qualquer vedação de pagamento em dinheiro, ou exigência de hora marcada para o saque bancário ou para a consulta.
Isso é pura recalcitrância em desfavor da cidadania e dos direitos do contribuinte.
A propósito, o Tribunal Regional Federal de São Paulo, em julgamento recente com voto condutor da lavra do desembargador federal Carlos Muta, decidiu:
"Seria possível, na investigação fiscal, apurar, por exemplo, que o recibo é falso ou simulado, por não existir o emitente, por se tratar de clínica médica inexistente ou de profissional com registro cancelado, entre diversas outras situações. Todavia, se nenhum fato contraria ou atinge a idoneidade do documento exibido, se o contribuinte tem renda declarada para cobrir as despesas médicas lançadas, a alegação de pagamento com dinheiro, de forma compatível com os recibos, não pode ser presumida inidônea, pois não existe obrigação legal do contribuinte de pagar somente através de cheques como se não tivesse curso legal a moeda e não produzisse efeitos fiscais o pagamento em espécie. Não se presume infração, fraude, falsidade ou simulação, cabendo ao Fisco provar conduta irregular, frente à presunção de boa-fé, que impede, pois, a glosa de despesas médicas por suspeitas ou desconfianças sem amparo em fatos e provas específicas."