Fico surpreso com a forma como alguns economistas e muitos de meus colegas jornalistas tratam o décimo terceiro salário. Há algumas abordagens ingênuas e outras irracionais, que pouco ajudam a entender como as coisas funcionam. Dois mitos, em especial, ganharam ares de verdade.
O primeiro vem daquela fórmula abjeta de dizer (no jornal, no rádio, na tevê) que o bônus "injeta" xis bilhões de reais na economia nacional. Assim, trata-se o assunto como se o décimo terceiro, previsto em lei desde 1962, fosse algo externo à economia ou ao país uma espécie de dinheiro alienígena, largado dos céus diretamente no bolso ou na conta corrente do cidadão.
O décimo terceiro não vem de Marte. Ele é pago por empregadores reais e, portanto, sai de uma faixa da economia para outra. Em épocas de vacas magras e, vamos combinar, neste ano elas andam bem magricelas , algumas empresas sofrem para pagar o benefício. É possível que, nos próximos dias, você ouça por aí histórias de gente que não recebeu a primeira parcela, ou que teve atrasos no pagamento.
Também é uma instituição relativamente comum internacionalmente. Países como Argentina, México e Portugal mantêm essa prática. Algumas nações europeias também pagam décimo terceiro, principalmente para os trabalhadores com vencimentos mais baixos. Em outros lugares, ele depende de negociação prévia.
O segundo mito é o de que as pessoas vão decidir agora o que fazer com o décimo terceiro, como se fossem incapazes de planejar seu futuro financeiro. Talvez essa ideia seja disseminada por pressão do comércio, cujo desejo é convencer as pessoas a aumentar a parcela destinada ao consumo. Mas não é assim: o abono de fim de ano é algo com que as pessoas contam em seus planos, e ele tem destino certo meses antes de cair na conta.
E que destino é esse? Todos os anos institutos pesquisam o que o brasileiro vai fazer com esse dinheiro e a resposta é mais ou menos a mesma: a quitação de dívidas costuma aparecer em primeiro lugar. Dados objetivos mostram que essa é uma verdade e o leitor pode conferir pelo gráfico. Ele mostra o porcentual da renda das famílias brasileiras comprometido com dívidas (excetuando crédito imobiliário) e abrange desde janeiro de 2005, quando o Banco Central começou a divulgar essa informação. Todos os meses, em novembro, esse indicador cai, sinal de que ocorre um abatimento nas dívidas. Mais um sinal de que o décimo terceiro tende a ser usado de forma racional.
Que bom que as dívidas estão sendo atacadas. Mas seria muito melhor se isso não fosse necessário até porque os juros são aquela loucura de sempre. Convido o leitor a planejar desde cedo o ano de 2015, pensando em investir o décimo terceiro, em vez de usá-lo para tapar o buraco de financiamentos passados.
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