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Financês

O câmbio e o preço do fracasso

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Nos últimos dez anos, o Brasil tem sido incompetente na tarefa de transformar ganhos de credibilidade no cenário econômico internacional em juros mais baixos. Não há o que justifique, por exemplo, a taxa brasileira ser tão próxima da taxa argentina (11,15% ao ano)

A julgar pelas comparações que os nossos governantes têm feito a respeito das crises econômicas por que temos passado, os economistas andam em baixa no Planalto. Foram substituídos por oceanógrafos. Para Lula, a crise americana não passava de uma marolinha. Para Dilma, o Brasil está sendo prejudicado por um tsunami cambial.

Em ambos os casos, o Brasil era uma mera vítima. A causa das ondulações estava em outras costas. Não deixa de ser verdade: o Brasil não originou nenhum dos problemas que afligem a economia global, mas tem sofrido impactos de intensidades variáveis. Mas vale a pena dar uma olhada na questão do câmbio, que está mexendo com muitos brasileiros. Alguns gostariam de passear, estudar ou trabalhar fora do Brasil e se preocupam com os valores a desembolsar. Outros têm planos de exportar. E muitos são afetados pelo dólar sem perceber, nos preços pagos em uma infinidade de produtos.

Em primeiro lugar, é bom quebrar um mito. Virou lugar comum dizer que a valorização do real frente a outras moedas, em especial o dólar, é o preço do sucesso. Segundo esse argumento, o contraste entre o nosso mercado interno cada vez mais forte e as sofridas economias do Hemisfério Norte faz com que Brasil seja escolhido por investidores internacionais para aportar seu dinheiro. Com muito dólar entrando no Brasil, a lei da oferta e da procura faz com que a cotação caia. Além disso, o Brasil está passando pelo período de estabilidade econômica e política mais longo das últimas décadas. Céu de brigadeiro, como dizem.

Nada disso está errado, embora conte apenas uma parte da história. A outra parte passa pela taxa de juros que o governo brasileiro paga a quem compra seus títulos: 10,5% (que é a atual taxa Selic) ou mais. Pense bem: se você fosse o gestor de um fundo, com liberdade de alocar recursos em qualquer país do mundo que tenha grau de investimento, onde você investiria? Em títulos da França, recebendo 4,5% ao ano, ou no Brasil, recebendo 10,5%?

Nos últimos dez anos, o Brasil tem sido incompetente na tarefa de transformar ganhos de credibilidade no cenário econômico internacional em juros mais baixos. Não há o que justifique, por exemplo, a taxa brasileira ser tão próxima da taxa da Argentina (11,15% ao ano), uma vez que os nossos vizinhos estão em situação fiscal pior que a nossa e em completo descrédito no que se refere às estatísticas econômicas – recentemente, a revista britânica The Economist deixou de publicar dados fornecidos pela administração pública da Argentina, alegando que desde 2007 o governo local tem divulgado números de inflação em que ninguém acredita.

Por outro lado, americanos e europeus têm feito o que podem para recuperar o poderio de sua economia e os empregos de sua população. O câmbio foi afetado, sim. Mas será que o governo brasileiro não faria algo semelhante, se estivesse na mesma situação? Não é o que o Banco Central está fazendo, em cada uma das intervenções que faz no mercado de câmbio, sempre que a cotação cai abaixo de R$ 1.70 por dólar?

Fator Miami

Além da questão dos juros, o Brasil deve ter em vista sua ineficiência em outras áreas. Uma delas foi retratada pelo leitor Marcelo em e-mail enviado à coluna ainda em janeiro. Ele contou que viajou aos Estados Unidos no ano passado e ficou indignado com as diferenças de preços que constatou na comparação entre o varejo americano e o brasileiro. Essa diferença alimenta um fluxo de viajantes entre os dois países que não deveria ser contabilizada na categoria de turismo. Boa parte dos brasileiros que vai aos Estados Unidos não faz passeios, mas compras. E faz isso pelo fracasso do governo brasileiro em criar um ambiente competitivo para muitos negócios.

Quase sempre se empurra a culpa pelo alto preço de todo produto importado para a tributação. Ela contribui para isso, mas a verdade é que as margens do comerciante brasileiro são sempre muito mais altas que a média internacional. Parte disso se deve também aos juros. Antes de se meter em qualquer atividade, o empresário precisa comparar seu lucro potencial com o ganho que teria se apenas ficasse deitado numa rede, deixando o dinheiro render juros na renda fixa. Como a renda fixa paga bem, ele exige margens bem mais altas para correr risco em seu negócio.

Como não resolver

Não há um caminho único para reverter esses fracassos acumulados. Mas reclamar dos outros não resolve muito. E, enquanto esses problemas não forem resolvidos, intervir no mercado de câmbio e criar barreiras para o capital estrangeiro será como enxugar gelo.

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