Matusalém, o personagem bíblico, viveu 969 anos e teve seu primeiro filho homem aos 187. Foi citado rapidamente, numa lista genealógica, mas isso foi o bastante para lhe garantir fama eterna. Até hoje há gente que se refere a pessoas muito idosas como "matusaléns". Só que os atuais raramente passam de 10% da idade do original.
Uma das questões mais complexas a serem tratadas em todo o mundo, hoje em dia, é a das aposentadorias. Diversos países estudam a elevação da idade mínima para o pagamento de benefícios. A questão surge porque os confortos do século 21 e a medicina moderna têm contribuído para que as pessoas vivam mais. Como consequência, passa-se mais tempo recebendo pensão, o que tem resultado em déficits. Não vou me estender na discussão sobre esse tema nos sistemas de previdência pública, até porque esse é um debate que pode ganhar cores ideológicas muito fortes e depende menos da ação do indivíduo.
Trago a questão por causa de um pedido do leitor Milton, que quer informações sobre os pagamentos dos planos de previdência privada. "Tenho visto que muitos acham que é correto ter uma renda mensal vitalícia, porém não sabem que ao morrerem a família perde tudo", observou.
Na verdade, não é bem assim. O problema é que há uma falta de conhecimento muito grande em relação aos produtos financeiros ligados à previdência privada, inclusive dentro das instituições financeiras que os oferecem ao público em geral. Com isso, surgem alguns ruídos na comunicação. Para evitar informações desencontradas, procurei um especialista no assunto, Renato Follador, consultor em previdência privada. Ele explicou que existem quatro formas possíveis de pagamento do benefício, das quais apenas uma implica perda do patrimônio em caso de morte. Veja quais são elas:
1) Benefício por tempo determinado: o cliente escolhe por quanto tempo quer receber o benefício. Nesse caso, o valor absoluto do benefício tende a ser maior. Ao fim do período, a reserva se encerra se o cliente ainda estiver vivo, fica sem dinheiro. Se ele morrer antes, o saldo da aplicação vai para os beneficiários indicados;
2) Porcentual das reservas: o cliente recebe um valor de aposentadoria decrescente, porque as reservas vão diminuindo ao longo do período. Se ele morrer, o saldo da aplicação vai para os beneficiários indicados;
3) Renda vitalícia baseada em probabilidade de longevidade: o banco ou seguradora estima os pagamentos da aposentadoria com base nas estatísticas de expectativa de vida. Na prática, trata-se de balancear o valor a ser pago com a rentabilidade passada dos investimentos e o aumento da sobrevida dos indivíduos. O cliente recebe os valores enquanto viver. Depois, o saldo da aplicação também vai para os beneficiários indicados;
4) Renda vitalícia com poupança coletiva: o cliente recebe a aposentadoria da idade indicada até a morte mesmo que ele passe dos 900 anos, como Matusalém. Depois, o saldo da aplicação vai para um fundo coletivo, de modo que aqueles que vivem mais são subsidiados por quem partiu mais cedo. Esta é a única alternativa em que os beneficiários não recebem nada.
Em geral, conta Follador, os fundos de pensão enquadram-se no último caso. Esses fundos são aqueles de grandes empresas, como Petrobras (Petros), Banco do Brasil (Previ) e Itaipu (Fibra) ou de categorias profissionais. Nos produtos oferecidos por bancos e seguradoras, há opções dos quatro tipos. "É fundamental saber o que se está contratando, em especial no que se refere à forma de renda", alerta o consultor.
Sem inventário
Chamo a atenção do leitor para uma palavrinha que pode ter passado despercebida logo acima. Nos três primeiros tipos de renda, escrevi que o saldo vai para os beneficiários indicados. Beneficiários, não herdeiros. Produtos de previdência, como PGBL e VGBL, não entram no inventário e por isso não estão sujeitos à partilha de bens. O valor é pago diretamente ao beneficiário como se fosse um seguro de vida, que é um produto financeiro da mesma linhagem. Por isso os planos de previdência são bastante usados em planos de sucessão familiar.
Mônaco e Macau
O infográfico que acompanha este texto apresenta o ranking de países e territórios com base na expectativa de vida. Mônaco e Macau (esta última, a antiga colônia portuguesa na China que hoje goza do status de região semiautônoma) lideram a lista, que inclui ainda locais como Hong Kong, San Marino, Andorra e a ilha de Guernsey. Isso ocorre porque muitos cidadãos endinheirados a maioria já bem idosa transferem residência para esses locais para pagar menos impostos em seus países de origem. Essa migração, que é mais de capital do que de fato, distorce a estatística.
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