Pelo menos por enquanto o agronegócio parece estar blindado contra a crise internacional e os efeitos colaterais provocados pela insolvência da União Europeia e as incertezas sobre a capacidade de recuperação dos Estados Unidos. A Bolsa de Chicago referência na formação de preço das principais commodities agrícolas não escapou da queda generalizada que, na semana passada, contagiou o sistema financeiro em todo o mundo. Soja e milho recuaram abaixo de US$ 13 e US$ 6/bushel, ou algo em torno de US$ 28 e US$ 14 por saca de 60 quilos, respectivamente. Em uma semana, as duas cotações perderam mais de US$ 1 cada. Isso no mercado internacional. Porque internamente as variações ficaram estáveis, ou registraram ligeiros ganhos.
A explicação está na intensa variação cambial, que não apenas equacionou como também compensou com folga as quedas em Chicago. A valorização do dólar frente ao real de certa forma protegeu os grãos, que no mercado doméstico passaram praticamente imunes às turbulências que contaminaram de forma sistêmica e em linha os papéis das bolsas globais. Bom para o agronegócio, bom para o Brasil, que tem na produção agrícola uma base de sustentação capaz de amenizar e retardar os reflexos devastadores da recessão. Nesses momentos é que a participação do setor no PIB do país ganha maior destaque. É a quarta parte no bolo da geração de riquezas, escorando a economia nacional.
Porém, uma nova semana começa e o temor continua. O prenúncio da nova turbulência, que responde pelo nome de calote, não descansa. O mundo vive sob a ameaça de alguns dos principais países da zona do euro não honrarem suas dívidas. O que, aliás, já está ocorrendo, como em uma moratória branca, que para virar calote precisa apenas ser oficializada. Também são cada vez mais fortes os boatos e evidências de uma nova onda de quebra e liquidação de bancos nos Estados Unidos, a exemplo de 2008, quando da falência do Lehman Brothers. As potências europeias e norte-americanas se seguram como podem. É o PIB do crédito e do consumo que dá sinais de fraqueza, gera instabilidade mundial e, como nunca, incertezas.
Ao agronegócio, sobra o consolo da necessidade básica de consumo, não de bens de consumo, mas de alimentação e energia. Características que garantem sobrevida a um setor essencial e prioritário em tempos de guerra ou de paz, de crise ou de bonança. Contudo, o segmento não está imune. Pode até estar mais protegido, ser menos impactado. Mas dificilmente vai passar isento, sem ter de dividir a conta. O grande risco aqui é o da redução no consumo, do comércio de grãos, de carnes e seus derivados. Na relação de oferta e demanda, um cenário de redução nos preços que, a depender da intensidade, nem mesmo o câmbio favorável, como neste momento, pode resolver. Aí, vão sobreviver ou reduzir o impacto das turbulências aqueles que estiverem não apenas menos imunes como também melhor preparados.
De qualquer maneira, o Brasil está em uma situação privilegiada, graças, mais uma vez, à essência da sua economia. Mais do que isso, um país e um negócio que estão aprendendo com as sucessivas crises. É cada vez mais comum a agricultura brasileira lançar mão das ferramentas de proteção de preço e mercado. Um exemplo é a comercialização da soja brasileira. Boa parte da produção prevista para a safra 2011/12, que apenas começa a ser plantada, já foi negociada no mercado futuro. Os números revelam um recorde para a época. O Paraná deve fechar setembro com um volume negociado em porcentual quase que dobrado para o período (veja quadro). E o que é melhor: no sobe e desce do dólar e das cotações, o preço médio supera os da safra anterior.
Outro exemplo interessante é o da carne de frango in natura e industrializada. Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) apontam que de janeiro a agosto as exportações totalizaram 2,4 milhões de toneladas, volume 3,2% maior que para o mesmo período de 2010. Além do incremento no volume, outra boa notícia é que a recente valorização do dólar pode contribuir para que os embarques ganhem mais ritmo nos próximos meses. Como o principal concorrente do Brasil nas exportações desse item são os Estados Unidos, com a valorização da moeda norte-americana aquele país perde competitividade e abre espaço para a carne brasileira.
Então, a crise está aí e não pode ser ignorada. Contudo, ela também traz oportunidades, que dependem mais de estratégia e visão de cada um dos agentes desse processo. Sobre as incertezas do amanhã, em relação ao futuro dos bancos nos Estados Unidos e do possível calote da União Europeia, pouco ou quase nada o Brasil pode fazer, a não ser fortalecer os componentes da economia que podem servir de colchão para eventuais reflexos negativos da crise internacional, como o agronegócio.
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