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O setor produtivo volta a discutir mudanças nas políticas públicas de apoio à produção nacional de trigo. Na verdade, trata-se da retomada de uma discussão que nunca cessou. E, para cumprir a escrita, é uma demanda urgente e com prioridade alta, imposta como condição à sobrevivência da atividade. Contudo, apesar do alarme, nada de novo. Vai ano, vem ano e os problemas são os mesmos. Falta preço, qualidade e vontade de estruturar uma política de valorização da triticultura nacional condizente com a importância econômica, social e de soberania que o trigo representa para o país. Não tem lógica que um país com área e tecnologia como o nosso produza apenas metade do volume necessário para abastecer a demanda interna pelo cereal. Uma realidade que fragiliza todos os elos da cadeia, da produção ao consumo, amplia a dependência externa do produto e nos torna, cada vez mais, reféns de uma conjuntura internacional que tira a competitividade da agricultura nacional.

Por motivos não apenas de disponibilidade, como de qualidade e outras estratégias comerciais – algumas válidas, outras sem nenhuma legitimidade –, o trigo da Argentina, do Paraguai e até do Canadá conseguem chegar ao Brasil mais competitivos do que o cereal produzido nos campos brasileiros. Alguma coisa está errada. Uma não; deve haver muitas coisas erradas nesse processo.

Falhas de concepção, que vão de apostas erradas na tecnologia de campo às políticas públicas e comerciais que não favorecem, incentivam ou estimulam, não o simples cultivo, mas a verdadeira estruturação da cadeia do trigo. Definições que competem não apenas ao produtor e ao governo. Elas passam, sobretudo, pelos moinhos e pelas indústrias de massa e panificação. Hoje a situação pode parecer confortável. Se não tem trigo ou produto de qualidade no mercado interno, está fácil buscar lá fora. Argentina e Paraguai, afinal, são logo ali. Mas a redução nos estoques mundiais pode mexer nessa área de conforto.

É por tudo isso que ainda há esperança, que o setor produtivo não desiste e permanece firme em seu propósito de mobilizar os agentes capazes de mudar os rumos dessa história. E uma vez mais cumpre o ritual de discutir e encaminhar as propostas que considera não as ideais, mas aquelas capazes dar início à necessária, urgente e tão esperada reinvenção da triticultura brasileira. Uma tarefa que, ao contrário do que se possa imaginar, nada ingrata. Fazer o trigo acontecer será motivo de orgulho, satisfação e de um novo posicionamento da agricultura nacional, menos dependente, mais competitiva e acima de tudo soberana. Eu diria até que isso já está ocorrendo. Foi-se, por exemplo, o tempo em que se plantava trigo somente no Sul do país. Assim como fez com a soja, a tecnologia levou o cereal para o Cerrado. Nos últimos dez anos, houve significativa expansão de cultivo na Região Centro-Oeste – em Goiás e Distrito Federal – e também em Minas Gerais.

Mas para promover as mudanças e transformações será preciso ser mais assertivo, de certa forma radical e sobretudo executivo, pelo menos nas propostas. Implementá-las é outro desafio. Vai depender, novamente, da bendita boa vontade. De qualquer forma, é preciso propor o modelo ideal, ou próximo disso, como faz agora o setor produtivo, que representa o produtor. As proposições apresentadas estão agrupadas em grandes temas: preço mínimo e instrumentos de comercialização; qualidade e classificação; salvaguardas a importações; vigilância sanitária e meio ambiente; legislação de cabotagem; recursos e juros para custeio; seguro de produção; e tributação. Propostas teoricamente factíveis, mas que na prática acirram um jogo de interesses movido por lobbies, políticos e econômicos que podem continuar inviabilizando a tão sonhada e saudável independência e autonomia na produção e no consumo de trigo.

Trata-se de um conjunto de medidas que contempla ações que de certa forma condicionam o investimento dos triticultores na próxima safra. Caso não haja expectativa de liquidez e claro apoio à produção nacional, o que está ruim pode ficar pior e provocar um verdadeiro desastre, com reflexos dentro e fora da porteira, da sustentabilidade econômica da atividade ao preço do pão francês, na ponta do consumo. No atual cenário, os primeiros números de área e produção sinalizam para uma significativa redução no volume em 2012, com grandes chances de cair abaixo de 5 milhões de toneladas. No Paraná, o maior produtor, com 50% da produção nacional, a área deve recuar para menos de 1 milhão de hectares. Para constar, o consumo supera 10 milhões de toneladas.

Mas por que produzir trigo? Basicamente porque, além da garantia de segurança alimentar, o cereal é a melhor opção para cultivo em larga escala no período de inverno, em sucessão à soja, contribuindo sobremaneira para a sustentabilidade socioeconômica e ambiental do sistema agrícola. Defender os interesses do trigo, portanto, é o mesmo que defender o interesse público, combater interesses exclusivos de alguns elos da cadeia e posicionar o país no mercado internacional. Um bom jeito de começar pode ser implementar uma das propostas do setor produtivo para 2012, de suspender a autorização automática de importação do trigo em grão. A outorga seria liberada com base na comprovação de compra da mesma quantidade de trigo nacional. Ou seja, a cada 1 tonelada do trigo nacional comprada pela indústria local será permitida a importação de 1 tonelada do trigo.

No mínimo justo, além da boa disputa com a indústria. É pagar para ver.

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