Eu admito: me diverti vendo políticos de direita ficarem ensandecidos quando a reforma da saúde finalmente se tornou lei. Mas, alguns dias depois, a coisa já estava perdendo a graça e não apenas por causa da onda de vandalismo e de ameaças voltadas para os legisladores democratas. Quem se importa com o futuro dos Estados Unidos não pode ficar feliz com extremistas tomando o controle de um dos dois grandes partidos políticos norte-americanos.
Sem dúvida foi ótimo ver Devin Nunes, republicano da Califómia, dizer que, ao aprovar a reforma da saúde, os democratas "vão lançar a pedra fundamental de sua utopia socialista nas costas do povo americano". Isso definitivamente parece desconfortável. E foi divertido ver Mitt Romney se contorcer enquanto tentava se distanciar de um plano que, como sabe muito bem, é quase idêntico à reforma que ele mesmo defendeu quando era governador de Massachusetts. Seu melhor momento foi declarar que a aprovação da reforma era um "inescrupuloso abuso de poder," uma "usurpação histórica do processo legislativo" presumivelmente porque o processo legislativo não deve incluir coisas como "votos" em que a maioria prevalece.
Aqui cabe uma observação: um argumento dos republicanos era de que os democratas não tinham o direito de aprovar um projeto de lei que enfrentasse enorme desaprovação pública. A Constituição dos EUA, entretanto, não menciona que pesquisas de opinião podem suprimir o direito e o dever de legisladores: tomar decisões baseadas em seu próprio mérito. Ainda assim, a mensagem das pesquisas é muito mais ambígua do que os opositores da reforma fazem acreditar: enquanto muitos americanos desaprovam o Obamacare, um número significativo o faz porque acha que o plano é muito tímido. E uma pesquisa da Gallup, feita depois da aprovação da reforma, mostrou que o povo, por uma margem modesta, mas significativa, parecia satisfeito com a medida.
De volta ao tema principal: o que tem sido realmente impressionante é a retórica catastrofista do Partido Republicano, vindo não da ala radical, mas de líderes do partido. John Boehner, líder da minoria na Câmara, declarou que a aprovação da reforma da saúde era "o Armagedom". O Comitê Nacional Republicano publicou, para arrecadar recursos, um panfleto que incluía uma foto da presidente da Câmara, Nancy Pelosi, cercada de chamas, enquanto o presidente da instituição declarava que era hora de pôr Pelosi na "linha de fogo". Sarah Palin distribuiu um mapa com os legisladores democratas literalmente na mira de um rifle.
Tudo isso vai muito além da política usual. Os democratas tinham muitas coisas duras a dizer sobre o ex-presidente George W. Bush mas você não encontraria algo tão ameaçador, nada que sequer parecesse um apelo à violência, vindo de membros do Congresso, muito menos de velhos membros do partido.
Para achar coisas como o que estamos vendo agora é preciso voltar para a última vez em que um democrata ocupou a presidência. Como o presidente Barack Obama, Bill Clinton enfrentou um Partido Republicano que negava sua legitimidade Dick Arrney, vice-líder republicano na Câmara (e agora líder do movimento conservador Tea Party) se referiu a ele como "o presidente de vocês".
Ameaças eram comuns: o senador Jesse Helms da Carolina do Norte declarou que "Clinton deveria tomar cuidado ao pisar aqui; seria melhor trazer um guarda-costas" (mais tarde, Helms expressaria arrependimento sobre o comentário mas só depois de uma enxurrada de ataques da mídia). Quando os republicanos controlavam o Congresso, eles tentaram governar como se dominassem a Casa Branca também, eventualmente paralisando o governo federal numa tentativa de subjugar Clinton.
Obama realmente acreditava que seria recebido de forma diferente. Ele fez uma verdadeira tentativa de bipartidarismo, algo que quase lhe custou a chance de aprovar a reforma da saúde ao desperdiçar meses tentando em vão conquistar republicanos. A essa altura, contudo, está claro que qualquer presidente democrata enfrentará oposição total de um Partido Republicano completamente dominado por extremistas de direita.
O Partido Republicano de hoje é em todos os aspectos o partido de Ronald Reagan não do Reagan político e pragmático que celebrou importantes acordos com os democratas; mas do Reagan fanático e anti-Estado, que alertava que o Medicare destruiria a liberdade americana. É um partido que vê esforços modestos para melhorar a segurança econômica e a saúde dos EUA não apenas como contrários a razão, mas como monstruosos. É um partido onde se cultivam fantasias paranoicas sobre o outro lado Obama é um socialista, os democratas possuem ambições totalitárias etc. E, como resultado, é um partido que fundamentalmente não aceita que outros tenham o direito de governar.
No curto prazo, o extremismo republicano pode ser bom para os democratas, ao ponto de assustar os eleitores. Mas, no longo prazo, é algo muito ruim para os EUA. É preciso haver dois partidos razoáveis e racionais no país. Algo que, no momento, não existe.
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Paul Krugman, Nobel de Economia em 2008 e professor na Universidade de Princeton, escreve neste espaço às segundas-feiras.