O relatório de contas externas divulgado nesta terça-feira, 23, pelo Banco Central já prevê uma redução no superávit comercial do País, em conseqüência da crise financeira que assusta os mercados nos últimos dias. A projeção para o saldo da balança no próximo ano ficou em US$ 17 bilhões - US$ 8 bilhões abaixo do previsto para 2008, e, segundo o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, os números refletem a expectativa de que a turbulência vá afetar as exportações do Brasil. "O menor saldo comercial reflete a piora das expectativas com os preços das commodities", disse Altamir.
Para este ano, porém, o governo ainda espera um superávit comercial alto. Na última semana, o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, afirmou que a crise não afetaria as vendas externas do País neste ano. Segundo ele, mesmo que isso ocorresse, a valorização do dólar contrabalancearia a redução nas exportações. "Essa crise americana pode ter um resultado secundário nas exportações brasileiras", afirmou. Essa redução das exportações pode ser compensada pelo aumento do dólar, como em algum momento já foi compensada pelo aumento dos preços das commodities", disse o ministro, na ocasião.
Apesar da previsão mais pessimista para a balança, o chefe do Depec, por outro lado, trabalha com uma ligeira baixa no volume de remessas de lucros e dividendos, o que deve evitar um agravamento mais intenso no déficit em conta corrente. Ele prevê remessas de US$ 30 bilhões em 2009, ante US$ 33 bilhões previstos para 2008. Altamir lembrou que, neste ano, as remessas tiveram uma aceleração por conta da crise internacional e também porque, em 2007, as empresas tinham retido lucros, sem enviá-los às suas matrizes. Ele projeta déficit em conta corrente de US$ 33,1 bilhões em 2009, ante US$ 28,8 bilhões neste ano.
Segundo Altamir, a alta no déficit em conta corrente como proporção do PIB é relativamente pequena (de 1,8% para 1,9%) em 2009 e, por isso, não é uma fonte de preocupação. Ele lembra que, historicamente, a média do déficit é de 2,4% do PIB, maior, portanto, que o nível atual. Mas o chefe do Depec ressalta que, tanto neste ano, como no próximo, os Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) vão cobrir o déficit em conta corrente.
Ele assinalou que os fluxos elevados verificados em agosto e setembro mostram que a crise tem diferenciado o Brasil e indicam também confiança dos investidores no País. "O momento econômico é bastante positivo e o IED, com valores expressivos, mostra que o Brasil está atraindo bastante recursos", disse Altamir, ressalvando que não pode garantir que os volumes tão elevados, como o de agosto e setembro, serão mantidos nos próximos meses. Mas, para ele, a projeção de US$ 35 bilhões de investimentos neste ano não é nem "um bicho de outro mundo".
Ações
Para Altamir, o impacto mais evidente da crise internacional pode ser visto no fluxo de dólares relacionado ao investimento financeiro em carteira. Ele citou como exemplo a saída líquida de US$ 1,626 bilhão em agosto de estrangeiros que mantinham aplicações em ações de empresas brasileiras. Em setembro, a tendência continua com a saída de outros US$ 1,081 bilhão até hoje. "O impacto (da crise) se dá basicamente no mercado acionário. Parte dos investidores está saindo (do País), mas também há migração para renda fixa", disse.
Outro possível reflexo da crise citado por Altamir é a taxa de rolagem dos empréstimos externos. Segundo ele, a taxa de rolagem descendente em setembro pode ser reflexo desse ambiente menos favorável para as operações no exterior. Ele admitiu, contudo, que empresas estão com menor capacidade de captação de recursos neste mês.
Recursos
Em meio à possibilidade de restrição do crédito como conseqüência da crise, o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, afirmou nesta terça que a instituição tem disponibilidade suficiente para atender a demanda por financiamento do setor privado até o primeiro semestre de 2009. Coutinho ressaltou que a União acabou de aprovar um empréstimo de R$ 15 bilhões para o BNDES, o que dá uma "certa tranqüilidade" para o banco de fomento. Ele reiterou que a previsão de desembolso para 2008 deve ficar na casa de R$ 85 bilhões. Ele evitou abordar, no entanto, o total previsto para 2009. "É cedo para falar sobre a disponibilidade de empréstimos em 2009", afirmou.
"O banco tem recursos para iniciar o ano de 2009 com tranqüilidade. Agora começamos a nos preocupar com a segunda metade do ano que vem e 2010", disse. Segundo Coutinho, o banco tem feito discussões sobre a obtenção de fontes complementares para atender a demanda da segunda metade de 2009 e 2010.
Coutinho afirmou que não acredita na possibilidade de ocorrer uma corrida de empresários ao banco, em razão da restrição de crédito privado por conta da crise financeira internacional . "Esse cenário não existe. Os projetos de investimento que o banco financia resultam de decisões maduras e que exigem avaliação de risco e projeções de mercado", disse. "Esses projetos são fruto de cálculos econômicos sólidos", destacou.
Segundo Coutinho, o BNDES espera atender na "medida do possível e com racionalidade" a carteira de intenção de financiamentos. "Não vamos financiar qualquer coisa a qualquer custo", afirmou ele. Ele reiterou que o setor de infra-estrutura é prioridade para o banco.
Investimentos
Coutinho afirmou ainda que não há razões para que a crise internacional comprometa os investimentos no Brasil. Segundo ele, o crescimento da economia deverá continuar sustentando esse ciclo de investimentos. Coutinho trabalha com expectativa de desaceleração do crescimento econômico, mas acredita que o PIB do País poderá registrar expansão acima de 4% em 2009. "Não há razão para imaginar que a economia brasileira tenha de passar por uma crise ou recessão mais acentuada", disse ele. "Acredito que seja plausível a economia desacelerar, mas sustentando um ciclo de crescimento com taxas mais baixas, porém satisfatórias."
O BNDES, segundo Coutinho, mapeou investimentos de R$ 1,5 trilhão para os próximos quatro anos, de 2008 a 2011, puxados principalmente pelos setores de infra-estrutura e construção. Se foram somados a esta previsão os investimentos estimados pelas pequenas empresas, este montante sobe para R$ 2,4 trilhões, disse o presidente do BNDES.