A Inepar Telecomunicações, empresa paranaense que naufragou no início dos anos 2000 junto com um fracassado projeto global de telefonia por satélite, renasceu na forma de uma escola de especuladores com sede em Sorocaba, no interior de São Paulo.
Braço do grupo Inepar, que está em recuperação judicial, a empresa de telecomunicações foi vendida à Atom Participações por R$ 5 milhões na virada de 2014 para 2015. Comandada pelos irmãos Joaquim e Ana Carolina Paifer, a Atom dá cursos de formação de operadores de Bolsa e logo espera ser também uma “mesa proprietária”, companhia dedicada a investir recursos próprios no mercado financeiro.
Mais comum nos Estados Unidos, o conceito é novo no Brasil. A primeira mesa proprietária do país, a carioca Auctus Capital, foi aberta em 2013 e hoje tem um time de 15 operadores, recrutados em “campeonatos de traders”.
A Atom quer montar sua equipe da mesma forma. Seu próximo programa de seleção termina em novembro e terá uma espécie de “reality show” nos últimos dez dias de competição, com transmissão on-line das transações dos dez finalistas.
Mico gigante
A Inepar Telecomunicações foi criada para participar do projeto Iridium. A ideia da Motorola, que mobilizou empresas de telecomunicações mundo afora, era criar uma rede global de telefonia via satélite. Além de responsável pela construção da base terrestre na América do Sul, a Inepar foi licenciada pelo governo para explorar o serviço no país, em sociedade com o fundo de pensão dos empregados do Banco Central. No fim, o Iridium custou US$ 6,6 bilhões e desmoronou com a popularização da tecnologia da telefonia celular. Um mico gigante. Hoje, sua tecnologia é usada basicamente na comunicação militar criptografada.
Na Bolsa
A compra da Inepar Telecom – uma empresa “zumbi” e sem relação com o ramo da Atom – tem seus motivos. O primeiro é que ela ainda tinha ações na BM&F Bovespa. Assim, os irmãos Paifer, que trabalham no mercado financeiro desde 2005, realizaram o sonho de ter uma companhia aberta, e sem precisar fazer um IPO (oferta pública de ações).
Além de dar visibilidade, a presença na Bolsa facilita o pagamento de bonificação em ações aos melhores traders, explica Ana Carolina, que é diretora de Relações com Investidores da Atom.
Com o negócio, a Atom também herdou um prejuízo fiscal de R$ 242 milhões. Se tiver lucro, poderá usar esse “crédito” para abater tributos.
Membro do conselho de administração da holding Inepar entre 2012 e 2014, Joaquim Paifer tentava comprar a “casca” da telecom havia cinco anos. A oportunidade surgiu quando o grupo, engolido por uma dívida de R$ 2 bilhões, pediu recuperação judicial. O dinheiro da venda foi usado para pagar o 13.º salário dos funcionários.
Herança maldita
Os Paifer investiram R$ 8 milhões em sistemas, projetos e consultorias, e passaram meses trabalhando na reestruturação societária e na reformulação do estatuto social da Inepar Telecomunicações. Mas subestimaram uma “herança maldita”. Eles supunham que seria fácil excluir a subsidiária da recuperação judicial do conglomerado.
“A culpa é nossa por não saber entender o quanto pode ser lento, ineficiente e errático um processo judicial”, admitiram os controladores em carta aos acionistas. Como a empresa adquirida não tem ativos nem dívidas, a Atom está confiante de que vencerá a parada. Só então poderá virar, de fato, uma mesa de traders.
Segundo Ana Carolina, cerca de 180 pessoas já foram aprovadas no treinamento de operadores, e parte delas já opera com dinheiro “real” para a WHPH Participações, mesa que pertence aos dois irmãos e que no futuro cederá gratuitamente seus ativos à Atom.
“Não é difícil ganhar R$ 1,5 mil todo dia”, dizem sócios
Em uma mesa proprietária, cada operador tem à disposição uma quantia de dinheiro e pode aplicá-la em determinados ativos. Se tiver prejuízo, a perda é da mesa; se lucrar, divide os ganhos com ela.
A estratégia da Atom para atrair candidatos ao que define como “mundo de adrenalina, vitórias, liberdade e satisfação” é ousada. Em vídeos no YouTube, Joaquim Paifer, 30 anos, e sua irmã Ana Carolina, 28, vendem a ideia de que ninguém precisa ser um expert para faturar nesse ramo.
“A gente não monta posição mirabolante, não tenta entender todo o cenário do mundo antes de tomar uma decisão. Se vê que o mercado vai subir, a gente compra. Se vai cair, vende”, diz Ana Carolina em um desses vídeos. Os irmãos sustentam que não é difícil um trader ganhar R$ 1,5 mil todo dia, o que desperta algum ceticismo em fóruns do mercado financeiro.
“Precisa de treino, disciplina e dinheiro de verdade. É difícil para quem não tem capital suficiente. O que a gente oferece é o que o trader mais precisa: dinheiro”, disse Ana Carolina à Gazeta do Povo. “Se o cara está operando R$ 1,5 milhão em contratos futuros de dólar e a cotação vai de R$ 3,226 para R$ 3,228, já ganha R$ 1 mil”, exemplifica.
O custo do treinamento – hoje a única fonte de recursos da Atom – varia de R$ 212 a R$ 612. Quem for convidado a integrar a equipe da mesa ficará com 40% a 60% dos lucros que conseguir. De saída, a Atom tem R$ 35 milhões em limite de capital para seus futuros traders.
Eles não vão negociar ações, apenas contratos futuros de dólar e de Ibovespa. O foco está no chamado day trade, operações de compra e venda em um mesmo pregão, às vezes em intervalos de segundos.
Apesar do discurso dos Paifer, ser um operador de sucesso não é para qualquer um. “95% dos traders perdem dinheiro. Nosso objetivo, com os torneios, é encontrar os 5% que ganham para toda vida”, diz David Rebello Filho, dono da Auctus Capital, primeira mesa proprietária do país.
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