“Espero que chegue ao consumidor não só o que foi reduzido de impostos, mas que as lojas façam promoções vendendo além disso. O consumidor deve pechinchar e discutir com o varejista, dizendo: o governo está reduzindo 10 pontos porcentuais no imposto da geladeira, eu quero mais do que isso. E com um financiamento mais barato.”Guido Mantega, ministro da Fazenda| Foto: Abr

No bolso

Caminho errado

Franco Iacomini, colunista de Finanças Pessoais

Certo, certo, é preciso estimular a economia para que o país sobreviva à crise. Mas por que o governo prescreve consumo aos seus cidadãos em um momento de crise, mesmo sabendo que o endividamento das famílias brasileiras é o mais alto desde que esse indicador começou a ser medido? Não parece um tanto irresponsável?

O governo tem à mão diversos instrumentos para impedir que a economia seja abatida, em pleno voo, pela crise europeia. Maiores benefícios para a sociedade brasileira viriam de ajustes no próprio governo: menos gastos, menos perdas, melhor aproveitamento dos impostos pagos por empresas e cidadãos. Em vez de aproveitar a ocasião para fazer ajustes – necessários, é importante dizer –, opta-se por usar cartas já jogadas na crise anterior.

Minha opinião é de que se trata menos de uma medida anticíclica (ou seja, uma ação cujo objetivo é romper com um ciclo de queda na atividade econômica) e mais uma rendição ao lobby e aos interesses da indústria.

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Medidas

Confira as principais medidas anunciadas pelo governo, que representam desoneração de mais de R$ 2,3 bilhões.

REDUÇÃO DO IPI

Estimativa de desoneração: R$ 164 milhões até 31 de março de 2012

- Fogão de cozinha: de 4% para zero

- Geladeira: de 15% para 5%

- Lavadora de roupa: de 20% para 10%

- Tanquinho: de 10% para zero

REDUÇÃO DO IOF

Estimativa de desoneração: R$ 130 milhões em dezembro e R$ 1,6 bilhão em 2012

- Crédito para pessoa física: de 3% para 2,5% ao ano

- Investimento externo em ações: de 2% para zero

- Capital de risco: de 2% para zero

REDUÇÃO DE PIS/COFINS

Estimativa de desoneração: R$ 448 milhões

- Massas (até 30/6/2012): de 9,25% para zero

- Farinha de trigo e pão comum: alíquota zero prorrogada até o fim de 2012.

Fonte: Governo e agências

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O ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou ontem um pacote de medidas que beneficia as indústrias de eletrodomésticos, alimentos e construção civil e também o mercado de capitais. A intenção é estimular o consumo interno do país e fugir dos efeitos da crise financeira mundial.

Adotada um dia após a redução da taxa Selic de 11,5% para 11% ao ano, a estratégia tem validade de curto prazo (algumas medidas vão até março e outras, até junho de 2012). O pacote pega as famílias brasileiras endividadas – suas dí­­vidas com bancos e comércio equivalem a 42% da renda anual, se­­gundo o BC – e em época de compras turbinadas pelo 13.º salário.

Para analistas, os resultados desta vez serão bem mais tímidos que os obtidos duranet a crise de 2008/2009, após a adoção de medidas semelhantes. "Até onde esse estímulo do mercado interno via aumento do consumo das famílias se sustenta, dado o atual nível de endividamento das famílias?", questionou o pesquisador de finanças públicas e crédito Gabriel Leal de Barros, da Fundação Getulio Vargas (FGV), em entrevista à Agência Brasil.

Entre as medidas anunciadas estão "velhas conhecidas" como a redução do Imposto sobre Pro­du­tos Industrializados (IPI) para eletrodomésticos de linha branca. Outra medida vai no caminho oposto ao adotado em abril, quando o governo aumentou a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 1,5% para 3%, como um esforço para moderar o consumo, na época muito aquecido. A estratégia agora é diminuir o tributo de 3% para 2,5% nas operações de financiamento ao consumo.

Para o economista Gilmar Mendes Lourenço, diretor-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), as medidas atuais não terão o mesmo sucesso das de 2009 por três razões: o nível de endividamento das famílias; a ausência de relação direta (e a enorme distância) entre a queda da Selic e a diminuição do preço final do crédito ao consumidor e ao empresário; e a falta de foco no investimento. "Só um aumento expressivo da taxa de investimento, que está em 19% do PIB atualmente, contra 45% na China, tem o poder de garantir a desobstrução dos gargalos à entrada do país em uma fase de expansão econômica mais robusta e permanente", diz.

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Na construção civil, o governo anunciou uma desoneração maior do programa Minha Casa, Minha Vida. A alíquota do Regime Espe­cial de Tributação (RET), que substitui quatro impostos, cai de 6% pa­­ra apenas 1%. O teto da habitação de interesse social do programa, tributada via RET, foi ampliado em R$ 10 mil, para R$ 85 mil.

Exportação

Cerca de 8,5 mil produtos devem ser beneficiados em breve com a regulamentação do Programa Reintegra, que devolve 3% do va­­lor exportado de produtos manufaturados. Entre esses produtos estão o trigo, a farinha e o pão, que também tiveram a desoneração de PIS/Cofins prorrogada até 31 de dezembro de 2012. O pacote prevê ainda redução de PIS/Confins de 9,25% para zero para as massas alimentícias, até junho de 2012.