A crise financeira global ameaça a viabilidade dos principais projetos de investimento previstos para os próximos anos no Brasil. De dez grandes empreendimentos programados e identificados por um levantamento realizado pela Agência Estado, no valor de US$ 80 bilhões, pelo menos oito, que demandam US$ 63 bilhões, ainda não possuem empréstimo contratado suficiente para o cumprimento dos planos.
Por serem estratégicos, parte deles tem garantia de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que ganha o papel de "salvador" no meio da crise. Outros contam com uma forte geração de caixa dos empreendedores, como Vale e Petrobras, o que poderia dar uma certa folga financeira em momentos de dificuldade. Porém, mesmo nessas circunstâncias, a avaliação de especialistas é de que, no mínimo, o cronograma desses projetos deve ser afetado.
Os oito maiores projetos, que precisarão de novos recursos para serem mantidos, são: usina hidrelétrica de Belo Monte, que ainda não foi licitada; usinas de Jirau e Santo Antonio, ambas no rio Madeira; a concessão das rodovias paulistas; três refinarias a serem construídas pela Petrobras (Maranhão, Ceará e Pernambuco) e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Os dois empreendimentos em situação mais tranqüila, por conta do desempenho histórico das empresas nos últimos anos, são Carajás Serra Sul, da Vale, e a nova usina de placas da Usiminas. Mas, ainda assim, os executivos das duas empresas admitem que podem ocorrer postergações.
Há ainda outros projetos, que estão atrás dos dez que estão no topo do ranking, que dependerão da evolução do economia interna para serem mantidos, apesar de terem sido confirmados pelas empresas. Esse é o caso das montadoras, que planejam investir US$ 23 bilhões nos próximos quatro anos no País. Uma revisão desses aportes, segundo especialistas, é provável devido à mudança de cenário econômico, com a escassez de crédito que pode afetar as vendas.
A alteração nas perspectivas macroeconômicas, com a expectativa de recessão nos países desenvolvidos e de desaceleração no ritmo de crescimento das economias emergentes, contribui para a formação de um ambiente marcado, além da escassez de crédito, pela falta de confiança, fator fundamental na tomada de decisão. "O mundo está em recessão, esse é o problema. Com recessão, a demanda cai, não tem jeito. E diante dessa perspectiva, as empresas revisam os seus investimentos", afirma o economista Simão Davi Silber, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
Para Silber, a falta de crédito já comprometeu os investimentos previstos para terem início no curto prazo (entre um e dois anos). "Não haverá funding suficiente para levar adiante todos os projetos", diz. Já os aportes previstos para um prazo um pouco mais longo, na avaliação dele, ficam à espera da melhora no cenário econômico mundial.
"A percepção generalizada é de que a crise, apesar de grave, é transitória. Viabilizar os projetos é o novo desafio", analisa o economista Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP, referindo-se à dificuldade que as empresas têm encontrado para obter financiamentos.
O levantamento realizado pela Agência Estado mostra as hidrelétricas encabeçando a lista dos maiores investimentos previstos para os próximos anos. Juntas, Santo Antonio e Jirau, ambas no rio Madeira (RO), consumiriam aproximadamente R$ 18,5 bilhões, o equivalente a US$ 9,3 bilhões, considerando uma taxa de câmbio de R$ 2,00. O BNDES se comprometeu a financiar 75% do projeto, em 20 anos, a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). Estaria prestes a aprovar empréstimo para o consórcio Energia Sustentável do Brasil (Enersus), vencedor do leilão de Jirau, que já apresentou carta-consulta ao banco de fomento. O grupo, formado por Suez, Camargo Corrêa, Chesf e Eletrosul, não tem nenhum outro financiamento amarrado com qualquer instituição financeira, mas prevê formalizar o empréstimo com o BNDES em novembro.
Já o consórcio Madeira Energia, responsável pelo projeto de Santo Antonio, liderado por Furnas e Odebrecht, iniciou as obras e pretende começar a gerar energia a partir de 2012. Mas também ainda não obteve aprovação do BNDES, que deve liberar R$ 190 milhões para o empreendimento. Mas o grupo já garantiu financiamento no valor de mais de R$ 503 milhões para o projeto.
Em pior situação estaria a hidrelétrica Belo Monte, que exigiria R$ 14,87 bilhões para ser construída, segundo estimativa da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib). O leilão da usina está previsto para setembro de 2009, mas a crise de crédito pode contribuir para adiar o processo, que já sofre com a demora na liberação da licença ambiental por parte do Ibama.
"A viabilidade para a licitação de Belo Monte tornou-se muito remota", afirma o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-presidente do BNDES, Carlos Lessa. Apesar da experiência à frente do banco de fomento nos primeiros anos do Governo Lula, Lessa diz que não está clara a forma como o BNDES deve se posicionar nesse momento de crise, mas destaca a importância da participação governamental nos projetos de infra-estrutura. "Eu acredito que o governo federal vai acabar retomando o papel de investidor no setor de energia elétrica", afirma.
O problema é que, diante da falta de crédito no setor privado, a tendência é de que haja uma corrida de todos os segmentos ao banco de fomento. "O setor privado é muito arrogante nas horas de sucesso e corre para o Governo em momentos de dificuldade", diz Lessa. Com o aumento do custo de captação e a perspectiva de crescimento no volume de consultas, o BNDES já estaria negociando com empresas juros acima da TJLP para parte dos projetos.
Entre os empreendimentos que precisarão de recursos do BNDES e que também constam no levantamento preparado pela AE está a reforma na malha rodoviária brasileira. Como ainda é impossível mensurar quanto as concessionárias deverão gastar caso desejem levar os lotes de rodovias federais que ainda irão a leilão, pois melhorias estão sendo feitas pelo governo antes de entregar à iniciativa privada, as rodovias integram a lista com uma cifra de R$ 11,5 bilhões, ou US$ 5,75 bilhões, que são os investimentos privados estimados para as rodovias paulistas a serem leiloadas no próximo dia 29.
Os candidatos a levar a Marechal Rondon, Dom Pedro I, Raposo Tavares, Ayrton Senna e Carvalho Pinto correm contra o tempo e o cenário desfavorável para levantar recursos para formular as suas propostas. A realização do leilão chegou a ser ameaçada por causa da crise, mas o governo paulista garante que haverá disputa.
A Petrobras, que investiu quase R$ 1 bilhão por semana nos últimos dois anos, não poderia deixar de marcar presença na lista. Quatro refinarias a serem construídas pela estatal e parceiros estão entre os maiores empreendimentos previstos para os próximos anos, somando US$ 42 bilhões, aproximadamente. São elas: refinarias do Maranhão (US$ 18 bi), do Ceará (US$ 11,1 bi), de Pernambuco (US$ 4,5 bi) e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (US$ 8,4 bi).
A estatal petrolífera é uma empresa com forte geração de caixa e está com uma alavancagem baixa, mas a avaliação é de que, sem uma captação ou operação de dívida, dificilmente a companhia conseguirá levar adiante todos os seus projetos. Isso sem contar o pré-sal, cujas necessidades de despesas para a exploração da área ainda são desconhecidas, e os investimentos na cadeia do gás natural, que somam US$ 19,6 bilhões de 2008 a 2012. Pela mudança recente de cenário no crédito, a companhia decidiu adiar a divulgação de seu planejamento estratégico, que estava prevista para este mês, para até o final de 2008.
Um projeto de mineração e outro de siderurgia também estão na relação. A Vale pretende gastar US$ 11 bilhões com o projeto de Carajás Serra Sul, com a construção de mina, porto e ferrovia. Já a Usiminas investirá US$ 5,7 bilhões em uma nova usina de placas. Pelo desempenho histórico que essas companhias apresentaram nos últimos anos e por operações de financiamento já estruturadas antes do agravamento da crise, a percepção é de que elas não terão dificuldades para financiar os seus projetos. A mudança nas perspectivas macroeconômicas e de preço para as commodities metálicas, no entanto, pode causar algum retardamento nos planos, segundo os especialistas.