Se até pouco tempo a Índia podia se gabar de ter uma economia pouco chamuscada pela crise financeira mundial, essa realidade ganhou contornos bem mais dramáticos no final de semana. O tremor financeiro, com epicentro nos Estados Unidos e antes mais restrito ao mercado acionário indiano e a um par de setores locais voltados à exportação, parece estar se irradiando para a economia real.
Os jornais deste fim de semana não poderiam ser mais explícitos. O "The Economic Times" estampou na manchete de sua edição de sábado: "Alerta Vermelho". Já para o "Hindustan Times", a "história da Índia está em jogo". O agravamento da crise ganhou destaque também no noticiário de TV, antes mais focado no críquete - como o futebol no Brasil, uma paixão nacional na Índia - e nas novidades sobre os astros e estrelas de Bollywood, a bilionária indústria cinematográfica indiana.
Mumbai, centro financeiro da Índia, tornou-se palco também de pesadas perdas financeiras. O BSE Sensex, índice das 30 ações mais negociadas na Bolsa de Mumbai, caiu 7,07% na sexta feira, fechando em 10.528 pontos. Foi o maior tombo do índice desde julho de 2006. Inevitavelmente, os jornais locais falam de "rumores desenfreados", "puro pânico" e "crise de confiança". Existe um receio de que muitos bancos deixarão de renovar empréstimos às empresas locais ao longo das duas próximas semanas. "Se os bancos pedirem às empresas para saldarem suas dívidas no dia do vencimento, muitas sentirão o golpe", disse um banqueiro ao "The Economic Times".
Produção industrial
Os investidores ficaram assustados também com a forte desaceleração da produção industrial, que em agosto apresentou crescimento anualizado de apenas 1,3%, o pior resultado em uma década. A previsão dos analistas para o mês era de expansão entre 6% e 6,5%. E em agosto de 2007, a indústria indiana havia crescido 10,9% em relação a um ano antes. Por outro lado, a inflação desacelerou para 11,8% no período de 12 meses terminado em 27 de setembro, em relação a um pico recente de 12,9%. A expectativa é de que a inflação doméstica diminua ainda mais em meio à forte queda recente nos preços das matérias-primas (commodities) internacionais.
A notícia da produção industrial acabou ofuscando o anúncio surpresa do banco central indiano, o Reserve Bank of India (RBI) de novo corte nos depósitos compulsórios bancários. Na sexta-feira, o RBI reduziu os compulsórios em um ponto porcentual - depois de um corte anterior de meio ponto, em 6 de outubro - numa nova tentativa de manter a liquidez do sistema financeiro. Ficou em segundo plano também a promessa do ministro de Finanças indiano, P. Chidambaram, de aumentar a liquidez através de aumento nos gastos governamentais.
A impressão geral é que os esforços do governo têm sido insuficientes. "A menos que o governo e o RBI anunciem medidas mais fortes, acabaremos sofrendo uma crise similar à que estamos testemunhando nos Estados Unidos", afirmou o presidente de uma corretora local ao jornal "The Economic Times". Para ele, o último corte dos depósitos compulsórios não é suficiente para resolver a questão da liquidez. "As taxas de juros precisam ser reduzidas em pelo menos um ponto porcentual", acrescentou.
Correm forte rumores ainda sobre o maior banco privado da Índia, o ICICI Bank, que tinha exposição a algumas das instituições norte-americanas que foram à bancarrota. O boato, no entanto, foi desmentido em comunicado enviado aos clientes do banco. "Seus depósitos no ICICI Bank estão seguros. Seu banco está bem capitalizado e tem boa liquidez. Por favor, não dêem ouvidos a rumores infundados", dizia a mensagem, segundo a edição de domingo do "Hindustan Times".
Já edição dominical do "The Economic Times" noticia uma preocupação crescente com as empresas do setor imobiliário, cujas ações atingiram seu pior nível em um ano em D-Street, como é conhecida a Wall Street indiana. Todas elas teriam tomado empréstimos de financiadores privados a altíssimas taxas de 36% a 48% ao ano para cobrirem as perdas, informou o SundayET . As ações das imobiliárias indianas tiveram uma queda generalizada de mais de 60% nos últimos 12 meses.
Mas os fundos de private equity, que deixaram de investir no setor, acreditam que existam oportunidades de longo prazo. "Eles estão esperando descobrir novos padrões de valor antes de voltarem a investir em imóveis. As imobiliárias, por sua vez, provavelmente farão uma reavaliação de seu modelo de negócio e dos padrões de consumo para se adequarem às atuais expectativas de mercado", disse Badri Narayan, sócio da Ernst & Young India, ao "The Economic Times on Sunday".
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