Uma regulamentação sobre os distratos, situação em que um consumidor desiste da compra de um imóvel na planta, ainda parece longe de acontecer. Apesar de estar em pauta, pelo menos, desde 2015, quando o senador Romero Jucá (PMDB-RR) encaminhou o Projeto de Lei (PL) 774 em que regulamentava a situação, o debate se arrasta, principalmente, pela divergência nos interesses de construtoras e órgãos de defesa do consumidor. Apesar de concordarem que regras precisam ser definidas, para dar uma maior segurança jurídica, os dois lados permanecem em um impasse, pois discordam do valor que o consumidor deve receber de volta caso desista da compra.
Pelo texto inicial do PL, o valor retido em caso de distrato seria de 25% da quantia paga pelo consumidor até aquele momento, mais 5% para cobrir taxas de corretagem, além de outros valores alegados como prejuízo pela empresa. Nesse caso, a devolução do que caberia ao consumidor também não seria imediata, mas sim dentro do prazo de um ano após o término da obra e podendo ser divido em 12 parcelas.
De acordo com Ricardo Campelo, assessor jurídico da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário no Estado do Paraná (Ademi-PR), esse texto inicial atenderia, em partes, o que as construtoras esperam, pois separa a corretagem dos demais prejuízos. “Ainda assim ele não era consenso entre a categoria. A gente entende que a lei 4591, a chamada lei de incorporação, diz que esse contrato é irretratável e, portanto, não poderia haver uma desistência. Não daria para dizer se esse PL é bom ou ruim, justo ou não, porque ele regulamentaria algo que não pode acontecer pela lei”, explica.
Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), essa primeira versão vai no caminho oposto ao previsto pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Elici Bueno, coordenadora executiva do instituto, reforça o posicionamento encaminhado pelo órgão à Secretaria Nacional do Consumidor e à Casa Civil. Na carta, o Idec declara que “na perspectiva dos direitos dos consumidores e à luz dos precedentes jurisprudenciais, tal proposta não poderia ser mais desastrosa”. Segundo os representantes do instituto, qualquer discussão do assunto deve observar sempre o “equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores (artigo 4º, inciso III, CDC)”.
Após discussões no Senado e do impasse constante, o texto foi alterado e a versão que circula atualmente prevê algo bem próximo ao que já é aplicado pelo Judiciário em caso de distratos: apenas 10% do valor pago fica retido e o restante deve ser devolvido de forma imediata. Para o Procon-PR esse é o texto que deve ser mantido, pois é a situação em que o “consumidor é minimamente prejudicado”. Na visão do Idec, essa também a melhor regulamentação.
“A gente sabe que a situação ideal nunca existe. Nesse caso, sempre alguém estará perdendo. O que não pode acontecer, na nossa visão, é o risco maior ser repassado para o consumidor”, explica Cláudia Silvano, diretora do Procon-PR.
Já para o Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Paraná (Sinduscon-PR), o caminho que o projeto de lei está seguindo não é o melhor. “O texto original apontava sim em uma direção justa. Mas o porcentual de retenção que circula atualmente é totalmente inviável, pois aloca todo o prejuízo na incorporadora”, declara Sérgio Luiz Crema, presidente do sindicato.
Outras propostas
Apesar da regulamentação parecer caminhar mais para o que já vem sendo aplicado pelo Judiciário, outras alternativas não são descartadas, o que também tem travado o avanço nas conversas. A principal delas é que 10% do valor do imóvel seja retido em caso de distrato. Se no momento da desistência o valor for inferior aos 10%, então 90% do que foi pago pelo consumidor ficaria para a empresa.
De acordo com Campelo, apesar dos distratos não serem permitidos, há situações em que realmente o consumidor não pode concluir a compra, porque não conseguiu financiamento, se divorciou ou perdeu o emprego. “É o que a gente chama de resolução do contrato. Vai haver então uma devolução, mas a gente vai reter uma parte para cobrir operação”, esclarece.
“Nesses casos, nós da Ademi entendemos que a retenção tem que ser feita sobre o valor do imóvel, 10% desse valor seria ideal, pois tivemos tributação e pagamos o corretor, além de outras operações, e tudo é sobre o valor do contrato”, justifica Campelo.
“Se a retenção que a incorporadora faz considerar apenas um porcentual sobre os valores pagos, a métrica fica desencaixada e o prejuízo será muito grande”, afirma Crema. Para ele, o mais justo é que a multa seja mesmo de 10% do valor do imóvel. Ele também acredita que uma cláusula penal desestimularia rescisões “indiscriminadas”.
Para os representantes das construtoras, o problema é que as desistências normalmente acontecem no início do contrato e, portanto, se os 10% forem calculados sobre o que foi pago, a retenção seria de apenas 2% ou 3% do imóvel, o que não cobriria as operações e resultaria em prejuízos e dificuldades para o decorrer do empreendimento.
Nessas situações, o presidente do Sinduscon-PR acredita que o melhor seria analisar caso a caso. Para ele, se o distrato realmente foi inevitável e acontecer ainda no começo do contrato, talvez seja necessário que o comprador realmente perca tudo o que pagou. “Quando o consumidor já honrou grande parte do contrato, é possível fazer uma composição que repare os prejuízos e restitua boa parte das parcelas pagas”, avalia.
Para o Idec, tomar como base o valor do contrato e não o que foi pago pelo comprador não parece uma proposta em que a relação de consumo esteja equilibrada, pois “o fornecedor pode reter até 90% do valor pago pelo consumidor e ainda ficar com o produto [100% do imóvel]”.
O Procon-PR segue na mesma linha do Idec e acredita que “o mercado estão defendendo um posicionamento é absolutamente contrário ao interesse do consumidor. O entendimento dos Procons no geral é o que tem sido aplicado, até 10% do valor pago e nunca pelo valor do imóvel”, explica Cláudia.
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