O consumidor brasileiro já compromete 34,8% da sua renda anual com dívidas, de acordo com cálculos divulgados ontem pelo Banco Central. Há dois anos, o valor médio dos empréstimos contraídos correspondia a 26,7% da renda das famílias. A pesquisa do BC retrata a situação das famílias em março, mas os indicadores mais recentes mostram uma tendência de piora desse quadro. De um lado, maio mostrou a quarta queda consecutiva na renda média do brasileiro, segundo o IBGE, baseado nas seis principais regiões metropolitanas brasileiras. Ao mesmo tempo, a taxa de desemprego se mantém relativamente alta 8,9%, a segunda pior da série histórica em um mês de maio e o número de criação de empregos (0,2%) não acompanha o de desocupados, que cresceu 13% no período, maior índice desde agosto de 2006.
Do outro lado, o consumo do varejo já se recuperou do tropeço sofrido em dezembro, com o estouro da crise e das demissões, e, graças à recuperação do crédito e à baixa de juros, retomou um ciclo positivo de vendas. No acumulado dos quatro primeiros meses do ano, as taxas do varejo se estabeleceram em 4,5% para o volume de vendas e em 10,6% para a receita nominal. Algumas grandes redes varejistas, como Colombo e Ponto Frio, anunciam atualmente um faturamento entre 20% e 30% superior ao do ano passado.
"Na prática, o que se enxerga é que a sociedade brasileira está se encaminhando para um superendividamento", diz o presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), José Geraldo Tardin. Para ele, os dados do Banco Central somados ao aumento dos índices de inadimplência mostram um sinal de alerta para os consumidores que frequentemente parcelam suas dívidas e comprometem demais sua renda em médio prazo.
Segundo Tardin, o perigo está na falta de educação financeira do consumidor para lidar com os tempos atuais da economia.
"Há cerca de quatro anos, os bancos mudaram sua estratégia de propaganda antes eram voltadas basicamente para a credibilidade e a solidez da instituição, hoje são excessivamente mercantilistas, literalmente vendendo seus produtos", diz. Uma decorrência disso é a facilitação de consumo descompassado com a renda, que em casos mais graves pode gerar "insolvência", ou seja, sem solução. Tardin diz que seu escritório já atendeu um trabalhador com renda de R$ 2,4 mil, que após um período de consumo descontrolado já está devendo dinheiro para 16 financeiras, acumulando um passivo de aproximadamente R$ 40 mil.
O professor da Sustentare Escola de Negócios Otto Nogami lembra que o aumento do endividamento das famílias não é decorrente da crise, e sim do período mais dinâmico que a economia viveu nos últimos anos. "Como o brasileiro herdou uma característica muito consumista, típica do norte-americano, até o ano passado ele aproveitou as facilidades do crédito para comprar em parcelas e comprometendo a renda futura", diz.
Como essa mesma renda está encolhendo com a crise, ele avalia que existe a tendência de aumentar a inadimplência e, em um passo seguinte, de redução da demanda o que ameaçaria a estratégia do governo federal em combater a crise por meio do fomento ao consumo. "Certamente é um problema bastante dinâmico. Ao estimular o consumo nessas condições, o governo pode estar criando problemas futuros", avalia Nogami.
Paradigma
Já o economista do Dieese, Cid Cordeiro, alerta que é importante diferenciar o descontrole do orçamento familiar da oferta de crédito. "Países de economia desenvolvida como Estados Unidos e outros europeus têm nível de endividamento da renda superior a 120%", diz, lembrando que concessão de crédito é importante ao desenvolvimento de uma nação. "Um dos grandes desafios do Brasil foi baixar a sua inflação, e outra está sendo a redução dos juros e o crédito consignado não é um vilão, ele tem um papel importante na redução do preço dos juros ao consumidor. Ampliar o crédito é diferente de ampliar o consumo descontrolado: não é porque há promoção de arroz que você precisa entupir a despensa com arroz", exemplifica.