As crises política e econômica ganharam eco na publicidade. Do “japonês da federal”, em referência ao agente Newton Ishii, ao uso do verbo “temer”, em alusão ao vice-presidente Michel Temer (PMDB), diversas marcas estão pegando carona em alguns dos protagonistas do atual momento do Brasil. A lista de campanhas – que incluem forte interação nas redes sociais e conta com a participação de astros da televisão – vai de imobiliária, rede de supermercados, empresas de fast-food, cervejaria e até rede de sorvete do exterior.
No momento em que se acirram os ânimos em torno do impeachment, as campanhas prometem mais novidades até o fim desta semana, quando a Câmara dos Deputados vota o pedido de abertura do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff. A Patrimóvel, do setor imobiliário, vai analisar o desdobramento político nos próximos dias para produzir a campanha que será veiculada no próximo fim de semana. Há duas semanas, a empresa chamou a atenção com uma peça que fazia alusão ao vice-presidente, Michel Temer, ao juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato e, claro, ao mercado imobiliário: “Temer ou não? Moro ou não? Mudar ou não?”, produzida pela agência Bloco 1.
“A estratégia é amplificar a comunicação da marca com campanhas de oportunidade. Todo mundo só fala de política. É o assunto do momento. Com isso, um anúncio vira mais que um anúncio, quando bem feito. Mas é difícil fazer campanhas nesse sentido, pois é preciso ser apartidário e não passar do ponto. Tem que ter sensibilidade para não causar transtorno para a marca”, explica Silvio Lach, diretor de Criação e sócio da agência Bloco 1.
Cuidado é não ofender
Mas os exemplos vão além. A cervejaria artesanal Rio Carioca já usou vários momentos da atual crise, como a peça “Não vai ter gole”, um trocadilho em referência aos discursos da presidente Dilma Rousseff, que associa o processo de impeachment a um golpe. Depois, a marca brincou com “Um país dividido: metade quer trigo, metade pilsen”. Em seguida, a marca pegou carona com a divulgação dos áudios envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua mulher, Marisa Letícia. Em uma das gravações a ex-primeira dama disse que “só teve panelaço nos prédios novos dos coxinhas”. Foi a deixa para que o publicitário Gustavo Bastos, diretor de Criação da agência 11:21, responsável pelas peças da Rio Carioca, sugerisse que a cerveja “Combina bem com coxinha e mortadela”.
As gravações foram parar nas propagandas para o rádio da rede Spé, o spa do Pé: “Mais um áudio vazou e deixa o país de pé, ouça!”. Bastos, que também é responsável pelas peças da rede Spé, lembra que as campanhas criam empatia, ao dialogar com o consumidor, e mostram que a marca está na mesma sintonia:
‘Essa empatia aumenta quando se usa um humor bem brasileiro, que faz parte da nossa cultura popular. É o humor que reflete o papo do cafezinho na empresa, da cadeira da manicure ou do boteco onde se toma a cerveja. E, sempre que a propaganda consegue fazer parte da cultura popular, ela aumenta o engajamento das pessoas e o valor da marca. Brasileiro gosta de propaganda engraçada e emocionante. Nas redes sociais, a interação e o engajamento são enormes.’
Mas o publicitário lembra que é preciso atenção ao fazer referências ao mundo da política. “O primeiro cuidado é o de ser rápido, acertar no timing. Não dá pra esperar cinco dias para fazer a piada com um fato que aconteceu hoje, ainda mais neste tempo em que a cada dia surge um fato mais bombástico que o último. Outro cuidado é o de não mostrar uma posição política, de ser apenas o crítico da situação, e o fazer isso com muito humor e leveza. Um cuidado importante é o de não ofender ninguém e de fazer tudo com bom gosto, ética, e bom humor. Afinal, ninguém ri de uma piada sem graça.”
A rede de rádio Joven Pan, em São Paulo, criou a campanha “Nossa briga é pra que nenhum caso de corrupção acabe em pizza. Só em japonês”. A peça faz alusão ao agente da Polícia Federal Newton Ishii, que chegou até a ganhar máscara durante o carnaval. Já a rede americana de sorvete Ben & Jerry’s, que pertence à Unilever, decidiu apostar em filmes nas redes sociais. A peça “Discordar com Amor”, criada pela agência LiveAD, mostra depoimentos de pessoas mostrando que discutir política no Brasil é fundamental, “mas não há motivos para acabar relacionamentos por conta disso”, explica a marca.
O publicitário Armando Strozenberg, presidente da agência Havas Worldwide Brasil, diz que “oportunidade é sempre oportunidade”. Mas, ressalta ele, há questões culturais. Em alguns outros mercados, uma crise política ou econômica local não teria a menor chance de ser proposta por uma agência de propaganda.
‘Mas, aqui no Brasil, é fato corriqueiro. O uso da situação de crise, desde que tratado com leveza, pode ser fator positivo neste processo. O que não pode é a brincadeira ofender a proporção da conjuntura da qual somos todos dependentes”, disse Strozenberg.
Mote da recessão
Entre as redes de fast-food, a recessão atual parece ter virado item do cardápio. Na Habib’s, a empresa criou a campanha “Todo mundo se ajudando”, que conta com a presença do apresentador Marcelo Tas. Os comerciais, produzidos pela agência Publicis, mostram pessoas à procura de recolocação profissional.
“Com humor, o comediante Marco Luque e o técnico Joel Santana também fizeram seus vídeos. O mote #todomundoseajudando continua permeando as ações da empresa nestes tempos de crise. Mas não é só uma campanha. É um projeto que reflete a filosofia de democratização e acesso a todos os brasileiros”, afirmou Hugo Rodrigues, presidente da Publicis Brasil.
A rival Giraffas criou a campanha “Tamo junto”. A empresa decidiu oferecer desconto de 25% a cada consumidor que for a um dos restaurantes acompanhado de outra pessoa.
“Neste momento tão desafiador, com crise política e econômica, desemprego crescente, maior inflação desde 2002 e a pior Páscoa para o comércio em dez anos, redesenhamos nossas estratégias para enfatizar o nosso compromisso de estar sempre com o consumidor. A expectativa é atingir 2,5 milhões de clientes”, destacou Ricardo Guerra, diretor de marketing do Grupo Giraffas.
Outra empresa que aproveita o atual momento é o Grupo Pão de Açúcar. Em campanha estrelada pelos atores Taís Araújo e Lázaro Ramos, a rede criou o movimento “Vamo junto”. O principal objetivo da ação, desenvolvida pela agência Y&R, é promover uma ação positiva, convidando brasileiros e iniciativa privada a se unirem em defesa do que foi conquistado nos últimos anos, diz a companhia.
‘A ideia de ‘junto,’ adotada na comunicação, vem para apresentar a iniciativa privada, como parceira e aliada dos consumidores, defendendo o que ele conquistou com muito trabalho nos últimos anos”, afirma David Laloum, presidente da Y&R.
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