Em menos de um ano, as distribuidoras estão novamente no centro de um problema do setor elétrico. Castigadas pela falta de energia no início de 2015, elas voltaram à cena neste ano, mas desta vez com o problema exatamente inverso: o excesso de oferta de energia, que pode levar, mais uma vez, a um prejuízo bilionário no setor.
A recessão econômica somada à alta na tarifa fez o consumo energia cair no país, puxado, principalmente, pelo recuo da indústria, que encerrou 2015 com um consumo energético inferior ao registrado em 2010. Por outro lado, a recuperação dos reservatórios em paralelo à entrada em operação de projetos de geração elevou, ainda mais, a oferta de energia.
No mercado livre, os preços despencaram: o custo do Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) – que chegou ao teto de R$ 822,83 no auge da crise energética – caiu de R$ 388,48 para, em média, R$ 51,48/MWh em menos de um ano.
Com excesso de energia contratada e redução do consumo, as distribuidoras enfrentam a queda de suas receitas, e estão sendo obrigadas a liquidar as sobras na Câmara de Comercialização de Energia elétrica (CCEE) por um preço bem inferior ao que pagaram em seus contratos de compra de energia, acumulando prejuízos.
O custo médio da energia contratada nos leilões, segundo Cláudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, supera os R$ 160 MWh, enquanto o preço médio do PLD para esta semana está em R$ 51,98 MWh para as regiões Sudeste/Centro-Oeste e Sul.
“O que pode minimizar esse cenário ruim de preço para as distribuidoras é que o ano começou um bom nível de chuvas, mas estamos há quase um mês sem precipitações e começando a fazer a transição para o período seco. Estamos 30% abaixo da média histórica de chuvas para o período e isso pode elevar o preço do PLD, reduzindo o prejuízo do setor”, avalia Mikio Kawai Jr., diretor executivo do Grupo Safira Energia.
A estimativa que circula no mercado é da ordem de 10% a 12% de sobrecontratação de energia hoje, acima do limite legal de 5% que pode ser repassado pelas distribuidoras à tarifa dos consumidores.
Com a entrada de energia nova no mercado nos próximos anos, o problema tende a piorar, atingindo um pico de excesso em 2019, com sobras de cerca de 16,5 GW médios, segundo um estudo da consultoria Roland Berger.
Com potencial para levar a um novo rombo no setor elétrico, o assunto ganhou a atenção da Agência nacional de Energia Elétrica (Aneel), que fez uma audiência pública para discutir o assunto e buscar soluções entre os agentes interessados. A proposta flexibiliza o processo, permitindo que as distribuidoras com excesso de energia renegociem seus contratos com as empresas de geração. É um caminho para reduzir as perdas do setor de distribuição.
Modelo favorece desequilíbrios
Para especialistas, é consenso que a origem do desequilíbrio que afeta o setor de distribuição está no atual modelo do setor elétrico. Sem autonomia para comprar diretamente a energia que necessitam para abastecer seus consumidores, as distribuidoras precisam fazer exercícios de futurologia.
Não raro, as previsões são frustradas, com riscos para o caixa das empresas. Um exemplo: o cenário de crescimento estimado não se concretizou como previram as distribuidoras há cinco e três anos, quando, nos leilões, declararam à Aneel a energia necessária para abastecer seus consumidores hoje.
Para Claudio Sales, do Instituto Acende Brasil, a origem do problema tem algumas causas principais. Uma delas é a maneira centralizada com que o governo administra a contratação. “As distribuidoras só podem comprar energia nos leilões organizados pelo governo para os próximos três e cinco anos”.
O ponto crucial, segundo ele, é que elas não têm elementos suficientes para administrar os riscos. Além disso, os mecanismos de compensação existentes hoje não atendem mais às necessidades das empresas.
Sempre haverá um gap temporal entre a data da compra e do uso da energia, além de uma volatilidade muito grande de preço, que é influenciado por vários fatores, explica o diretor executivo do Grupo Safira Energia, Mikio Kawai Jr. “Se as distribuidoras pudessem ir ao mercado e comprar com mais autonomia , parte do problema do setor seria resolvido”, acrescenta.