Depois de sete meses sem acréscimos na tarifa de energia, a bandeira amarela voltou a aparecer na conta do consumidor brasileiro em novembro. O retorno, em pleno período úmido, é um sinal de que o estresse hídrico pode virar rotina no Brasil, com consequências que vão muito além dos problemas para a geração de energia elétrica no país.
Confira as projeções para o estresse hídrico no país
A escassez de água tem sido uma constante em algumas regiões do país. Nos últimos dois anos, a região Sudeste sofreu os efeitos da pior seca dos últimos 80 anos. A estiagem prolongada comprometeu o nível dos reservatórios das hidrelétricas e teve uma fatia importante de culpa no caos que se instalou no setor elétrico brasileiro – sem água, o governo acionou as térmicas e as tarifas explodiram. A mesma crise hídrica quase levou a maior metrópole brasileira a um colapso de abastecimento em 2015, com racionamento de água e uso do volume morto dos reservatórios.
Índice de perda de água tratada chega a quase 80% no Amapá
O Brasil vai do céu ao inferno quando se trata da perda de água. Existem cidades e estados com índices bons para o padrão brasileiro, abaixo de 30%. O melhor exemplo vem do Distrito Federal, cujo índice de perdas é de 27,1% da água tratada, seguido por Goiás (28,5%) e Tocantins (30,5%). No Paraná, 32,2% de toda a água trata se perde na rede de distribuição. Isso significa que de cada 100 litros de água transportada, 32 não chegam aos consumidores. Mesmo assim, o estado tem o melhor desempenho em relação aos seus vizinhos do Sul. A média paranaense também está abaixo da nacional – de 36,7%. Em Curitiba, as perdas são de 30,2%.
Por outro lado, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste, a perda de água tratada atinge patamares alarmantes, chegando a superar 70%. O caso mais crítico é o do Amapá, que perde 78,2% da água tratada, de acordo com dados do Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades. Na capital, Macapá, as perdas se aproximam de 80%.
Hoje, a maior preocupação é o Nordeste. A seca histórica que assola a região há cinco anos já comprometeu a geração de energia e o abastecimento urbano de água em várias cidades. O reservatório da hidrelétrica de Sobradinho, o maior do Nordeste, caminha para terminar 2016 com o volume útil praticamente zerado, o pior cenário registrado em 85 anos na Bacia do Rio São Francisco.
No médio e longo prazo, moradores de outras grandes cidades brasileiras também devem experimentar efeitos do estresse hídrico, assim como os paulistanos e nordestinos. Isso porque as mudanças climáticas tendem a tornar fenômenos extremos como a crise hídrica de 2014-2015 cada vez mais frequentes e intensos, explica Sérgio Ayrimoraes, superintendente de Planejamento de Recursos Hídricos da Agência Nacional de Águas (ANA).
No caso específico de São Paulo, um estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgado no ano passado concluiu que o aumento da temperatura média em todo o Brasil desde os anos 1960 e a diminuição das chuvas na região do Sistema Cantareira a partir dos anos 1980 propiciaram um clima que dificulta o reabastecimento dos reservatórios da região. Isso indica que as crises hídricas podem se tornar rotina.
Embora tenham um peso importante, as mudanças climáticas são apenas uma parte do problema. A falta de planejamento de longo prazo contribui para agravar os efeitos da escassez e, embora o balanço hídrico brasileiro seja favorável, com a oferta de água maior do que a demanda, isso não significa que temos segurança hídrica, afirma Ayrimoraes
Infelizmente o país parece não ter aproveitado como poderia a lição da última crise hídrica. As perdas de água tratada na distribuição ainda são muito altas no Brasil (cerca de 37%) e não há incentivos ao uso racional por parte dos consumidores. Além disso, não existe qualquer tipo de cobrança pelos recursos hídricos usados na agricultura, o setor que mais consome e desperdiça água no país.
A crise de água de São Paulo, por exemplo, teve um efeito pedagógico importante sobre os consumidores, mas até agora não resultou em investimentos estruturais, segundo Édison Carlos, presidente-executivo do Instituto Trata Brasil. “Bastou que as chuvas voltassem a cair e enchessem os reservatórios para que os projetos alternativos fossem engavetados”.
Segundo Ayrimoraes, os planejadores sabem o que precisa ser feito, mas na prática isso não se traduz em investimentos, que são sempre postergados ao limite.
37% de toda a água tratada no Brasil não chega ao consumidor
O problema do estresse hídrico precisa ser enfrentado de forma estrutural e não pontual. Um dos primeiros passos é reduzir as perdas de água potável.
Embora esse índice venha diminuindo nos últimos anos, quase 37% de toda a água tratada no país não chega às torneiras dos consumidores, segundo o último levantamento de 2014 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), ligado ao Ministério das Cidades.
Das perdas de água do Brasil, entre 60% e 70% são vazamentos. O restante é perda financeira, resultado de roubos, desvios, erros de medição e hidrômetros muito antigos, detalha Carlos, do Trata Brasil. “Fizemos um estudo no ano passado que mostra que o Brasil perde por ano 6,5 vezes o Sistema Cantareira, o que daria para abastecer mais de 50 milhões de pessoas. Se cobrássemos por essa água seria R$ 8 bilhões”, afirma Carlos, do Trata Brasil.
Vale lembrar que as perdas decorrentes do desperdício e mau uso não entram na conta final. A agricultura e o agronegócio, por exemplo, usam mais de 70% da água produzida no Brasil (não necessariamente água tratada), porém, quase metade desse volume é desperdiçada segundo estimativas do Fundo das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês). A maior parte em processos ultrapassados que usam água além do necessário.
“Precisamos aprender a viver com menos água”, afirma Carlos, do Trata Brasil. De acordo com Organização das Nações Unidas (ONU), a quantidade de água necessária para atender as necessidades básicas de uma pessoa é de 110 litros por dia. No Brasil, o consumo per capita é de 162 litros por dia. Em estados como o Rio de Janeiro e o Maranhão, esse índice supera os 200 litros, quase o dobro do recomendado pela ONU.
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