A expansão da energia solar no Brasil ganhou um aliado de peso no final do ano passado com a decisão do BNDES de priorizar o financiamento de fontes renováveis, em especial, a fotovoltaica. O aumento do prazo de amortização e do valor financiado pelo banco deve impulsionar a presença de painéis solares nos telhados dos brasileiros, sobretudo, nas empresas, que agora têm um incentivo a mais no bolso para reduzir a tarifa de energia.
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A mudança de diretriz do BNDES sinaliza uma melhora no gargalo do financiamento para a energia solar no país e veio em boa hora. No final de 2016, o setor sofreu um revés com o cancelamento do único leilão de reserva previsto para o ano, um golpe duro na nascente indústria fotovoltaica brasileira. A justificativa é válida. Pelos cálculos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), existe uma folga de aproximadamente 8 GW de energia no país. Diante desta sobreoferta, o governo paralisou novos leilões e 2017 também pode terminar sem a contratação de nenhum MW de energia solar. O governo ainda planeja um leilão para descontratar energia de várias fontes, que pode incluir projetos fotovoltaicos.
A falta de perspectiva de novos investimentos no horizonte acendeu o alerta no setor, que tem se mobilizado junto ao governo para tentar garantir pelo menos um leilão neste ano. Segundo Rodrigo Lopes Sauaia, diretor da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), o setor precisa de uma previsão de contratação a partir de 2019, pois até lá existe um volume importante de projetos já contratados.
“Os investimentos que estão sendo feitos contemplam um horizonte de 5 a 10 anos. Sem sinal de demanda, não há como garanti-los”, diz. O ideal seria uma contratação na faixa de 2 mil MW por ano, mas levando em consideração o momento, é mais prudente trabalhar com 1.500 MW, segundo Sauaia.
Incerteza de um lado, otimismo do outro
A despeito das incertezas dos leilões e do cenário nebuloso para a geração centralizada, a geração distribuída vai muito bem. Na contramão da economia do país, o setor de micro e minigeração de energia solar fotovoltaica alcançou a marca de 7.504 sistemas instalados, um crescimento de 300% em 2016. Embora não tenha a escala das grandes usinas solares, a geração distribuída apresenta um crescimento orgânico e independente importante que tende a aumentar com a melhoria das condições de financiamento para os consumidores.
A entrada forte do BNDES no financiamento de renováveis, com redução dos juros e aumento dos prazos, deve colocar os projetos fotovoltaicos no radar e, principalmente, no orçamento das empresas. Hoje, apenas 15% das conexões de micro e minigeração estão nos telhados de comércios e empresas. Quase 80% dos sistemas são residenciais, e apenas 2% estão instalados nas indústrias.
A principal barreira do setor ainda é o crédito escasso e caro para empresas quanto e consumidores residenciais. Com exceção de algumas poucas linhas de crédito para pessoa jurídica, como a FNE Sol, recentemente criada pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB), os juros ainda são muito altos e os prazos apertados. Para pessoa física, uma alternativa simples seria a liberação do FGTS, afirma Barbara Rubim, da campanha de Energias Renováveis do Greenpeace. “Trata-se de medida simples que poderia vir por meio de um decreto do executivo, mas cujo projeto de lei está patinando nas comissões desde 2014”.
O cenário ideal de financiamento para a energia solar, segundo Sauaia, deverá ser atingido quando a parcela do financiamento couber na economia que o cliente tem na conta de luz com o sistema fotovoltaico. “Essa é a conta que tem de ser feita para democratizar o uso da tecnologia sem onerar o consumidor. Um sistema bem projetado, por exemplo, pode reduzir em até 90% a tarifa de energia”, diz.
Avanço da geração distribuída pressiona distribuidoras
O número crescente de consumidores que geram a própria energia acendeu uma luz amarela entre as distribuidoras. Embora o número de sistemas instalados hoje no país represente uma pequena fatia de mercado dessas empresas, o crescimento da micro e minigeração de energia elétrica é uma tendência irreversível. O crescimento do número de sistemas vai implicar em perda de receita das companhias até um ponto em que a situação será insustentável para a manutenção do negócio.
Para Cristopher Vlavianos, presidente da Comerc Energia, em todo o mundo essa discussão já começou e, cedo ou tarde, vai acontecer aqui também. O papel das distribuidoras terá de ser repensado, segundo ele.
“Uma das vantagens de estar atrasado no processo é poder olhar a experiência de outros países. Contudo, ainda não existe um modelo totalmente consolidado. A RWE, da Alemanha, por exemplo, perdeu 80% do valor de mercado dela por essa questão. O mercado dela não encolheu, mas a importância no processo sim, e, como consequência, a remuneração”, exemplifica Vlavianos.