Após décadas nas mãos da Petrobras, o setor de gás natural vai passar por uma grande reestruturação. A redução do papel da estatal no segmento, com a venda de ativos na área de transporte e distribuição de gás, abre o mercado para novos investidores e traz uma série de oportunidades, mas também a necessidade de se aperfeiçoar o modelo regulatório.
A saída da Petrobras abre caminho para que haja mais concorrência em um setor que ficou extremamente centralizado nos últimos anos – além de responder por 95% da produção nacional, a estatal negocia com outros produtores, importa, processa e vende o combustível às distribuidoras. Ao dar o pontapé inicial no fornecimento de gás, a empresa liderou a estruturação desse mercado no país, mas acabou se tornando uma barreira à competição.
Como consequência desse monopólio, o mercado não se desenvolveu como poderia. Apesar de a produção ter praticamente dobrado entre 2005 e 2015, há uma escassez de oferta doméstica de gás natural.
Hoje o país importa 50% do gás consumido e há uma demanda reprimida que tende a aumentar no médio e longo prazos com a maior necessidade do combustível para a indústria e para a geração de eletricidade. A decisão do atual governo de repensar o projeto da usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, no Pará, que teria uma potência de 8 mil megawatts, sinaliza que a era dos grandes projetos do gênero pode ter chegado ao fim. Para especialistas, isso pode fazer do gás natural o novo protagonista da matriz energética.
“O momento atual para o setor de gás natural é tão importante quanto foi a quebra do monopólio de exploração e produção de petróleo [no fim da década de 1990]”, afirma Ricardo Pinto, diretor-técnico da consultoria Gas Energy.
Novo mercado
Ao final desse processo de reestruturação da Petrobras, um novo mercado de gás natural deve nascer praticamente do zero, com uma nova dinâmica. Mas, diante de tamanha concentração de mercado, especialistas defendem que a transição precisará ser feita com atenção. “O órgão regulador precisa acompanhar de perto a venda dos ativos da Petrobras, tendo cuidado para que o mercado não passe de um monopólio para outro”, afirma David Zylbersztajn, sócio-diretor da DZ Negócios com Energia.
O primeiro passo para um mercado competitivo é resolver o vazio regulatório do setor. “Temos um arcabouço regulatório que é incompleto. Para viabilizar investimentos, as empresas precisam ter a segurança de que haverá mercado e, mais do que isso, de que vão conseguir acessá-los. Hoje não há esse entendimento”, avalia Pinto.
Para o governo, essa segurança deverá vir por meio de outra estatal. A Petrobras sai de cena, mas o governo entende que é necessária a criação de uma empresa para organizar e gerir o setor de gás natural no país, papel que, segundo especialistas, pode ser perfeitamente executado pelo órgão regulador, no caso, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
“Tem que reforçar o papel da ANP, dando autonomia para o órgão operar como regulador a partir de regras claras para todos os agentes. Criar uma nova estatal vai na contramão das tendências. O governo deveria aproveitar essa oportunidade para estimular o mercado, tirando as amarras da Lei do Gás, que é muito concentradora”, avalia Zylbersztajn.