| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo/Arquivo

A corrida mundial para frear os efeitos das mudanças climáticas não deixa dúvidas: a precificação do carbono é um caminho sem volta. Enquanto muitos países já saíram na frente, discutindo e adotando instrumentos monetários de controle de emissões, outros ainda seguem praticamente inertes, como o Brasil. Aqui, a transição para uma economia de baixo carbono ainda está mais no plano das ideias.

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Confira os avanços na precificação do carbono mundo afora

Apesar da contribuição decisiva para o sucesso das negociações na Conferência do Clima de Paris (COP-21) e do grau de ambição que o país colocou na mesa – foi o único entre os países em desenvolvimento a definir uma meta absoluta de redução de emissões, de 43% até 2030 –, o Brasil não está fazendo a lição de casa. Na prática, essas metas avançam pouco em relação ao que já vem sendo feito no país pelo setor privado e entidades do terceiro setor.

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À espera de um mercado de carbono

Quase 19 mil hectares de florestas preservadas e recuperadas em Antonina e Guaraqueçaba, no Litoral do Paraná, acumulam um estoque de 2 milhões de toneladas de carbono que nunca chegou a ser comercializado, embora esse fosse o objetivo inicial. Os projetos, implantados após o Protocolo de Kyoto, no fim da década de 1990, pela Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem (SPVS), foram financiados pelas empresas norte-americanas General Motors, Chevron e American Eletric Power (AEP) num contexto de expectativa de um mercado mundial de carbono que acabou não decolando. “Essas empresas queriam projetos de demonstração, fizeram investimentos de risco, mas não tiveram o retorno real”, afirma Clóvis Borges, diretor-executivo da SPVS. Por outro lado, os recursos investidos nesses projetos ajudaram a combater o desmatamento dessas áreas, evitando emissões de CO2.

“Há um engajamento crescente da sociedade civil e do setor privado, mas ainda não vejo uma resposta proporcional do governo brasileiro de estímulo à transição para uma economia mais limpa em um país que é extremamente vulnerável às mudanças climáticas”, afirma Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima. “O Ministério da Fazenda até fez alguns estudos e análises de benchmarking sobre a experiência de outros países, mas ficou tudo engavetado”, acrescenta.

De acordo com um levantamento do Banco Mundial, 39 países e mais de 23 governos subnacionais adotaram instrumentos de precificação de carbono. O mais comum é o cap and trade (limite e comercialização, em inglês), quando as empresas têm permissão para poluir até um determinado limite a partir do qual precisam comprar créditos de carbono. Quem emite abaixo do teto, pode vender créditos. Outro mecanismo que vem se popularizando é a aplicação de um imposto sobre as emissões de CO2.

No Brasil, que tem uma das maiores cargas tributárias do mundo, existe uma forte reação à tributação do carbono. Mas há caminhos possíveis. O Instituto Escolhas, por exemplo, simulou a aplicação de um imposto sobre as emissões de combustíveis fósseis sem aumento da carga tributária, possível por meio da simplificação do PIS/Cofins. Uma taxa de carbono neutra de US$ 36 por tonelada de CO2 emitido (CO2e) levaria a um crescimento de 0,5% do PIB e evitaria a emissão de 4,2 milhões de toneladas de CO2e. Sem a neutralidade da taxa, contudo, o impacto na economia seria negativo,

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Essa é uma das maneiras de impulsionar a transição para uma economia de baixo carbono no Brasil, mas não pode ser a única, argumenta Shigueo Watanabe, consultor do Instituto Escolha. Isso porque, tanto o cap and trade quanto uma taxa do carbono funcionam bem em setores como energia e indústria, onde as emissões são perfeitamente mensuráveis. “No Brasil, apenas um terço das emissões de carbono vêm desses setores, o restante é proveniente da agropecuária e do desmatamento. Será que vale a pena criar um imposto que, na prática, não é eficaz para o conjunto total de emissões?”, questiona ele.

Meta brasileira

A meta do Brasil prevê a redução de 37% de emissões de gases do efeito estufa até 2025, em comparação com o nível de emissões de 2005, e de 43% até 2030. Para isso, o país se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal na Amazônia, restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares, além de restaurar 15 milhões de hectares adicionais de pastagens degradadas.

Uma saída seria a combinação desses dois instrumentos dentro de uma lógica de estímulo à transição para uma economia mais limpa, defende Rittl. Contudo, a descarbonização da economia requer políticas públicas que direcionem o país nesse sentido, como, por exemplo, linhas de crédito específicas para setores mais limpos ou que incentivem uma agricultura de baixo carbono. Cedo ou tarde, o Brasil terá que assumir o esse custo. E quanto antes, melhor.

Preço atual do carbono não estimula redução de emissões

Para especialistas, a eficácia de um mercado de carbono ou de um imposto sobre emissões depende da definição de um preço mínimo para o CO2 que seja atraente o suficiente para estimular reduções significativas. Atualmente, os preços por tonelada de carbono equivalente (tCO2e) praticados variam de US$ 1 a US$ 130, segundo o Banco Mundial. Na prática, 85% das emissões de carbono são precificadas a apenas US$ 10 por tCO2e.

“A grande maioria dos países que aplicaram impostos tem taxas muito pequenas, aplicadas apenas sobre alguns setores e não sobre a totalidade de emissões”, avalia Shigueo Watanabe, do Instituto Escolhas. Embora importantes, na prática, segundo ele, essas iniciativas funcionam como um grande ensaio. “Está todo mundo experimentando e testando formas de reduzir emissões com o menor impacto possível, mas ninguém vai colocar um imposto para valer sem um bom exemplo a ser seguido”, acrescenta.

A China pode cumprir esse papel. Maior poluidor do mundo, o país asiático assumiu a dianteira dos investimentos em energia limpa no mundo e colocou a criação de mecanismos de precificação de carbono no radar. Por enquanto, sete províncias chinesas adotaram um esquema de comércio de emissões de CO2.

Por menor que seja, um passo da China em direção à descarbonização da economia pode levar outros países nesta mesma direção, acredita Watanabe.

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