Após uma passagem pelo governo federal, onde ocupou a presidência do Ipea e a chefia da Secretaria de Assuntos Estratégicos, o economista e pesquisador da Fundação Getulio Vargas Marcelo Neri está aos poucos reorganizando o trabalho que o credenciou como um dos maiores especialistas em distribuição de renda no país. Na última semana, ele esteve em Curitiba para dar uma palestra a convite da UniBrasil sobre crescimento inclusivo. Em entrevista à Gazeta do Povo, ele avalia que a crise chegou ao emprego, mas ainda não está claro seu efeito sobre a distribuição de renda.
O país está em recessão desde 2014, mas o mercado de trabalho demorou para enfraquecer. É sinal de que ele pode passar bem pela crise?
Há um paradoxo no país, com a macroeconomia andando de lado desde 2011 e o mercado de trabalho e a renda das pessoas ainda crescendo por um tempo. É um processo que vem de antes. Em dez anos o PIB per capita cresceu 30% e a renda média cresceu 60%. E isso continuou depois de 2011. Mesmo em 2014, que foi um período crítico para a economia, os resultados foram surpreendentes, a desigualdade caiu, a renda cresceu 3,3%. A crise entrou pesada mesmo a partir de 2015, com a estagflação. Se você pegar a PME, pesquisa que é feita em seis regiões metropolitanas, há uma queda muito grande do emprego. O que gera outro paradoxo quando você vê a Pnad, que é nacional. Ela mostrava ainda uma resiliência do mercado de trabalho até agosto do ano passado, com a massa salarial constante. A partir daí houve deterioração, mas até novembro foi uma queda de 1,7% da massa salarial, o que não é muito.
Até 2013, 58 milhões de pessoas entraram nas classes A, B e C, movimento que continuou em 2014. Parte disso está sendo devolvido.
Mas a tendência é de queda?
A imagem que tenho é que estamos na beira do precipício, agarrados a uma corda. Nas áreas metropolitanas, temo que já tenhamos caído no precipício. A crise remete um pouco ao fim dos anos 90, que ficou conhecida como a crise do desemprego metropolitano. Se você olhar nas metrópoles, de 1996 a 1999 houve uma queda na renda do trabalho de 4,5% ao ano e a renda total no resto do país ficou constante. Acho que em 2015 sem dúvida a crise chegou ao bolso do brasileiro, mas ainda sem aumento da desigualdade. Por sinal, a PME mostra mais perdedores entre pessoas de mais educação. Entre 2003 e 2014, a cena brasileira era de renda crescendo em grupos como mulheres, jovens, moradores do nordeste, informais. Era um processo de redução da desigualdade forte.
Nos anos 90, houve uma queda de rendimento acentuada. É um cenário que pode se repetir?
Pode acontecer. Tivemos até 2014 dez anos com três forças básicas. Crescimento da renda das pessoas acima do PIB, redução da desigualdade, que vem desde 2001, e a estabilidade, que foi o grande ganho do Plano Real. Estamos perdendo o crescimento da renda das pessoas e temos maior instabilidade.
Mas a renda não podia crescer por muito tempo acima do PIB.
A renda vinha crescendo com ganhos pequenos de produtividade. O Brasil surpreendia por isso. Em 1980, o Brasil tinha a mesma produtividade da Coreia e hoje tem um terço da produtividade coreana. Até 2011 o descompasso é explicado em parte porque existe um deflator para o PIB e outro para a renda, que é a inflação. Mas depois de 2011 há um descolamento maior.
O crescimento da classe C está ameaçado pela crise, ou será só um solavanco?
O risco de reversão existe, mas, para minha surpresa, as pessoas não caíram do despenhadeiro como eu imaginava. Até 2013, 58 milhões de pessoas entraram nas classes A, B e C, movimento que continuou em 2014. Parte disso está sendo devolvido. Agora, reduzir o nível de vida é o mais difícil. Imagine para quem antes não comia carne e passou a comer três vezes por semana. É muito difícil voltar à situação de não comer carne.
A desigualdade ainda não inverteu a tendência de queda. Continuam de pé os fatores para ela cair?
Não sou muito positivo para a queda da desigualdade daqui para a frente por duas razões. A primeira é que ela caiu em toda a América Latina. O Brasil não inventou a roda, colheu a melhora na escolaridade e dos programas focados, como o Bolsa Família. E na região, a desigualdade parou de cair. Além disso, a queda da desigualdade tem de ser uma demanda ativa e eu não percebo que há uma demanda da sociedade. Se a desigualdade caiu, é porque houve uma demanda da sociedade para isso. Para acontecer de novo, tem de ser uma opção renovada.
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