Não há dados oficiais que comprovem que a economia já chegou ao fundo do poço, mas se acumulam indícios de que ela pode ter atingido seu nível mais baixo. Nesse caso, a dúvida é se o país terá forças para voltar a crescer nos próximos meses, ainda que timidamente; se ficará estagnado por muito tempo; ou mesmo se vai reiniciar o mergulho.
O problema é que, no momento, as chances de recuperação estão assentadas muito mais sobre uma discreta melhora das expectativas do que sobre progressos reais na atividade econômica. O PIB do primeiro trimestre e indicadores divulgados na sequência motivaram previsões de uma estabilização ainda neste segundo trimestre ou no próximo, com chances de um leve crescimento em seguida. Mas ninguém aposta firme nesse cenário sem antes enumerar ressalvas.
A decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia é uma nova fonte de instabilidade, que certamente não contribuirá para a recuperação brasileira. Mas o fator determinante por aqui deve ser a política local. É ela que inspira o aumento de confiança captado nas últimas pesquisas com empresários e consumidores, mas também é dela que vêm as maiores preocupações.
“As sondagens indicam uma reversão de humor, então existe um potencial de melhora na atividade nos próximos meses”, diz o economista Paulo Picchetti, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre). Ele coordena o cálculo de dois indicadores que buscam captar as condições da economia: o coincidente, que reflete a situação atual, se estabilizou; o antecedente, que busca antecipar tendências, sobe há quatro meses. “Para sair do fundo do poço, no entanto, há condições que não são triviais, e a mais óbvia é política”, diz.
A política é crucial por duas razões. A primeira é que o retorno à normalidade da economia depende da aprovação, pelo Congresso, de medidas para reequilibrar as contas públicas. “Sem ações concretas, a melhora de ânimo será momentânea. O governo tem de ser rápido para converter expectativas em mais investimento e consumo”, avalia Luciano Nakabashi, professor de Economia da USP de Ribeirão Preto.
A segunda razão é o estremecimento que a Lava Jato tem provocado no governo interino. Uma vez que a troca de governo foi determinante para a melhora da confiança, a eventual saída do presidente interino Michel Temer (PMDB) restabeleceria o pessimismo e retardaria indefinidamente a volta do crescimento. Esse temor desperta sentimentos contraditórios: no setor produtivo e no mercado financeiro, muita gente que apoiou a Lava Jato agora é indulgente com o governo provisório e torce pelo enfraquecimento das investigações, para não “atrapalhar” a recuperação da economia.
Contradições
Um complicador é que mesmo o eventual sucesso do pacote fiscal pode ter efeitos ambíguos sobre a confiança, ao menos pelo lado dos consumidores. Como os resultados positivos do ajuste apareceriam mais no longo prazo, de início pode prevalecer a sensação de que a troca de governo – que muitos esperavam ser a solução instantânea dos problemas econômicos – serviu apenas para privatizar estatais e retirar direitos de trabalhadores e aposentados. Essa narrativa ressoa em amplos setores da sociedade e já vem sendo explorada pela oposição.
Ainda no âmbito do ajuste, o próprio Temer enviou sinais contraditórios ao defender sacrifícios e, ao mesmo tempo, endossar reajustes para o funcionalismo e uma carência na dívida dos estados. “Não é um bom sinal em si. Por outro lado, o governo pode estar cedendo de um lado para poder avançar do outro”, observa Picchetti, do FGV/Ibre.
Menos emprego
Quando os economistas falam em retomada do crescimento, não estão se referindo à plena recuperação da vertiginosa queda que o país experimentou durante a crise, e sim de uma subida bastante vagarosa e sujeita a escorregões. Pior: o emprego, que demorou a refletir a recessão, também não reagirá tão cedo à retomada. “Só veremos uma reversão [da queda do nível de emprego] quando houver uma confiança mais robusta no futuro”, diz Paulo Picchetti, do FGV/Ibre.
“Ainda temos um trimestre muito duro pela frente”, diz economista
- Fernando Jasper
O chefe da área de economia e mercado de capitais da gestora Eleven Financial, Adeodato Volpi Netto, se coloca entre os otimistas em relação ao futuro da economia, mas adverte que o pior ainda não passou. Embora já veja uma reversão de tendência no ambiente econômico, acredita que ela só deve se refletir em melhora da atividade no último trimestre do ano, ou então no início de 2017.
“Ainda temos um trimestre muito duro pela frente. A economia é mais ou menos como um transatlântico, não vira de uma hora para outra. Ainda sentiremos um quadro muito impactado principalmente pelo desemprego, que continuará aumentando”, explica. Para ele, um fator determinante para a virada será a queda da taxa de juros, que ele espera para o segundo semestre, após a eventual confirmação de Michel Temer na presidência.
Enquanto alguns economistas defendem pressa na adoção de medidas para conter os gastos do governo, Volpi Netto não vê espaço para ações mais significativas antes de um afastamento definitivo de Dilma Rousseff. “Temer e sua equipe começaram a construir um muro de arrimo. E vão se apoiar nele até o fim da interinidade, para então atuar com mais força”, diz. “Enquanto o Congresso puder explorar a vulnerabilidade de um governo interino, será difícil aprovar medidas mais ousadas.”
Empresários estão mais confiantes
- João Guilherme Frey especial para a Gazeta do Povo
Os índices de confiança dos empresários da indústria, comércio e serviços medidos pela Fundação Getulio Vargas estão em alta há alguns meses. Os níveis alcançados em maio são os mais altos desde o segundo ou terceiro trimestre de 2015, conforme o caso.
“Há uma estabilização de vários setores. Muita gente já fez ajustes, a economia parou de cair e agora a gente tem que ganhar fôlego daqui para a frente”, diz o presidente da rede de farmácias Nissei, Sérgio Maeoka. Segundo ele, a empresa deve retomar um ritmo mais forte de expansão a partir do segundo semestre de 2017.
O lado positivo é que a crise nos obriga a fazer coisas que em outras circunstâncias não faríamos. As pessoas ficam mais produtivas.
Jorge Carneiro presidente da Sage no Brasil.
Maeoka conta que mesmo na crise a Nissei conseguiu continuar crescendo, ainda que em ritmo menor, porque se antecipou à recessão e já em 2014 reavaliou processos e cortou custos.
O português Jorge Carneiro, presidente no Brasil da Sage, empresa especializada em sistemas de gestão contábil, também vê o momento com otimismo. Depois de ter enfrentado a crise de seu país em meados de 2010, ele diz ter aprendido que recessões não são o fim do mundo.
“Percebemos que o governo está a criar condições para um ciclo positivo à frente”, afirma. Para ele, a recuperação que se segue à crise pode ser um ponto de inflexão na trajetória das empresas. “O lado positivo é que a crise nos obriga a fazer coisas que em outras circunstâncias não faríamos. Pessoas que em momentos normais seriam menos produtivas ficam mais produtivas”, diz.
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