Como se não bastassem a recessão econômica e a crise política, o investidor brasileiro passou a conviver com uma nova fonte de incertezas – uma fonte do tamanho da China. Os renovados temores de uma freada forte na segunda economia do mundo causaram estragos nos mercados globais no início da semana, e não devem sair tão cedo dos radares.
Em paralelo, corre a especulação sobre quando subirá a taxa de juros norte-americana, zerada desde o estouro da crise do crédito subprime, em 2008. A hipótese de aumento não é nova: é discutida por analistas e investidores desde 2013, pelo menos. Ganhou força nas últimas semanas, com os sinais de que a retomada norte-americana ganha consistência. Mas voltou a ser posta em dúvida após as más notícias vindas da China.
Ninguém pode afirmar com certeza se a desaceleração chinesa será feia mesmo, ou se o juro nos Estados Unidos subirá já em setembro ou só em dezembro, ou nem isso. Mas esse ambiente de dúvida, por si só, já é suficiente para pressionar (para baixo) as ações da BM&F Bovespa e (para cima) as cotações do dólar.
EXAGERO À CHINESA
O desespero com que os mercados reagiram à queda da bolsa chinesa na segunda-feira (23) tem um quê de exagero, na avaliação de Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset Management. “O que os indicadores da economia chinesa mostram é uma leve desaceleração, um sinal de que as coisas não estão tão bem quanto o governo chinês gostaria. Mas os dados estão longe de mostrar uma contração da economia”, observa. “Até semana passada, os mercados globais de ações estavam ‘supercomprados’ em renda variável e precisavam de um motivo para vender. O motivo apareceu.”
É que em momentos como esse os grandes investidores, estrangeiros na dianteira, tiram dinheiro de ativos de risco em mercados periféricos e o levam ao porto seguro dos títulos do Tesouro norte-americano, ainda que a remuneração destes continue em zero. Assim, aplicar em câmbio ou ações neste momento é para investidor qualificado, ou para quem busca fortes emoções.
Em contrapartida, o cenário reforça a atratividade das aplicações de renda fixa, como títulos do Tesouro Direto, CDBs, LCIs e LCAs. Esses investimentos já vinham ganhando espaço com a contínua elevação da taxa básica de juros (Selic) – hoje em 14,25% ao ano, o maior nível desde 2006 – e tendem a atrair o dinheiro de investidores domésticos em busca de alguma segurança.
A subida do dólar em relação ao real pode ter efeito inflacionário, o que em tese levaria o Banco Central a promover novas altas na Selic. Mas em épocas de recessão o repasse do câmbio aos preços não é automático.
Além disso, a taxa já subiu tanto – e a economia brasileira está tão gelada – que analistas põem em dúvida a possibilidade de mais aumentos. “Nossa expectativa é de estabilidade da Selic. Mas, como existe um efeito do câmbio sobre a inflação, que já está em patamar bastante elevado, pode ser que a taxa básica demore mais tempo para cair”, diz Karina Freitas, analista da corretora Concórdia.
Para André Moraes, analista da XP Investimentos, “estamos em um excelente momento para a renda fixa”. Mas o investidor deve ficar atento, segundo ele, ao tipo de aplicação. Como o movimento de alta da Selic pode estar perto do fim, os títulos pré-fixados passam a ser mais interessantes – se adquirir um pós-fixado agora e o juro cair, o poupador perderá dinheiro caso venda o título antes do vencimento.
INFLUÊNCIA
Veja como o comportamento dos juros nos Estados Unidos e as turbulências do mercado chinês podem influenciar os investimentos no Brasil:
ALTA DOS JUROS NOS EUA
Bolsa e câmbio
Se com juro zero os títulos do Tesouro norte-americano já atraem investidores em busca de segurança, até uma alta de 0,25 ponto porcentual pode intensificar esse fluxo. A tendência é de que grandes investidores resgatem aplicações em emergentes e invistam nos Treasuries. Isso levaria a uma queda das ações na BM&F Bovespa e a novas altas do dólar. Para alguns analistas, no entanto, boa parte da questão já foi “precificada”, ou seja, o mercado já reagiu a ela.
Juros e renda fixa
Em tese, um aumento dos juros nos EUA pode forçar uma alta da taxa brasileira, a Selic. Isso porque o câmbio ficaria mais caro, pressionando a inflação e levando o Banco Central a subir os juros. Bom para a renda fixa. Mas a economia brasileira em franca recessão deve levar o BC a agir com cautela. Boa parte do mercado aposta que a Selic ficará em 14,25% até dezembro e cairá a 12% ao longo de 2016.
DESACELERAÇÃO DA CHINA
Bolsa e câmbio
Se a economia chinesa vai mal, vão mal as commodities. Má notícia para empresas como Vale, Petrobras e siderúrgicas, que têm peso importante na Bolsa brasileira. Mas o efeito vai além. Como a China é responsável por 16% do PIB global e tem influência decisiva no crescimento mundial, uma desaceleração muito brusca teria efeito igualmente relevante, em especial nos emergentes, desencadeando um movimento de aversão ao risco – já visto nesta semana – e inflando a cotação do dólar.
Juros e renda fixa
Uma alta prolongada do dólar, consequência da aversão ao risco, teria o potencial de elevar ainda mais a inflação e, portanto, a Selic. Um atrativo a mais para investir em CDBs, Tesouro Direto e outros ativos de renda fixa. Mas repassar a variação do dólar aos preços não é tão fácil em tempos de consumo retraído. Além disso, a Selic já subiu bastante, e hoje poucos esperam que o BC promova um aumento expressivo na taxa de agora em diante.
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