Em janeiro, o Conselho Monetário Nacional (CMN) publicou as regras que proíbem o uso do rotativo do cartão de crédito por mais de 30 dias no Brasil. Elas já foram detalhadas pelos bancos e entrarão em vigor em abril. Foi apenas o detalhamento de algo que vinha sendo discutido desde o início do governo Temer e que faz parte de um conjunto de medidas microeconômicas anunciadas pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ainda no fim do ano passado.
A postura custe o que custar em relação à saúde fiscal do país e essas medidas sinalizam que a nova equipe econômica em Brasília iniciou uma cruzada contra os juros no país. Para os especialistas, porém, a caminhada para reduzir as taxas de juros no Brasil é longa e tortuosa, e provavelmente só trará frutos significativos a partir do último ano da atual gestão no poder, 2018.
As razões que explicam por que as taxas de juros são tão altas são várias e bastante complexas (leia mais sobre isso nesta página). Quando o consumidor compra um carro ou quando uma empresa contrata um empréstimo, as taxas de juros empregadas nessas transações são compostas, basicamente, por cinco itens: a Selic, que é o custo de captação do dinheiro; o aspecto regulatório, que são os impostos e os reflexos dos depósitos compulsórios; os riscos de não receber o dinheiro de volta, ou seja, a inadimplência; as despesas administrativas dos bancos; e a margem de lucro – impactada também pela concentração de mercado e pelas compensações do crédito direcionado.
“E se você olhar bem, todos esses componentes são altos no Brasil [em comparação com outros países]”, resume Miguel José Ribeiro de Oliveira, diretor executivo de estudos e pesquisas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) que acompanha o comportamento do crédito no país há anos. “O fato é que cada melhora em cada um deles é uma pequena vitória, mas que trará resultados só a partir de 2018”, resume Oliveira.
A medida do parcelamento do rotativo, portanto, é mais simbólica do que efetiva nessa guerra contra os juros. Ela mexe numa das modalidades de crédito mais utilizadas pelos brasileiros mesmo em tempos de crise e na mais cara, de 441,76% ao ano, segundos dados de fevereiro. Essa mesma medida, porém, não representa nenhuma mudança impactante na estrutura de crédito do país. É apenas uma tentativa de mexer em um dos componentes do spread bancário que é a inadimplência.
Duas batalhas perdidas?
Embora a ofensiva contra alguns desses componentes esteja caminhando como o planejado, como é o caso da redução da Selic, ela parece estar fadada ao fracasso em relação a pelos menos dois itens: a concentração dos bancos e o crédito direcionado (aquele dos segmentos imobiliário, agrícola, microcrédito e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, BNDES).
O ano de 2016 com quatro bancos concentrando 72,4% de todos os ativos financeiros do país: Banco do Brasil, Itaú, Caixa Econômica Federal e Bradesco. A concentração do mercado em poucas instituições reduz as opções do consumidor, como em qualquer outro setor da economia. É por isso também que, ao longo da história, os bancos públicos acabam tendo de liderar movimentos de redução nas taxas de juros. Mas não deveria ser assim. “Isso [a concentração do mercado] aconteceu principalmente nos últimos dez anos, e eu não vejo isso mudando a curto prazo. Quanto menor a competição, mais os bancos vão conseguir ‘formatar’ a sua taxa de lucro”, afirma o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi.
O crédito direcionado, que têm a ver diretamente com a regulação do sistema financeiro no Brasil, também é outro fator que dificilmente mudará a curto prazo. No país existem dois tipos de crédito: o livre e o direcionado. Um exemplo do último é o financiamento imobiliário, que não apenas têm as regras definidas e as taxas influenciadas pelo governo, como também tem as suas fontes de recursos (FGTS e poupança) altamente reguladas, obrigando os bancos a manterem reservas especificamente para essas finalidades. “É nas modalidades livres, portanto, que os bancos vão compensar essas obrigações, esses ‘subsídios indiretos’”, frisa Rabi. Em dezembro de 2016, o presidente do BC, Ilan Goldfajn, disse que o crédito direcionado será melhor avaliado e que a equipe econômica deve buscar um novo modelo para esse sistema, mas nada mais foi anunciado.
Para o planejador financeiro e fundador da MoneyPlan, Fernando Meibak, que já passou por vários cargos executivos em bancos, enquanto a equipe econômica não tomar atitudes de ruptura nada mudará de verdade na estrutura de crédito no país. “Um exemplo claro disso hoje é que os lojistas não podem comercializar os seus recebíveis de cartão de crédito. O monopólio sobre esses ativos é das empresas de cartão. Essas mesmas empresas topam antecipar o dinheiro dessas transações para os lojistas, mas a uma carga de 3,5% ao mês, por exemplo. Ao mesmo tempo, eu mesmo tenho clientes que fariam esse mesmo papel e comprariam os recebíveis por 1,2%. É só um exemplo, mas enquanto o governo federal não se dedicar a ideias inovadoras, como foi o lançamento do Tesouro Direto no início dos anos 2000, nada realmente mudará no sistema”, diz Meibak.
Para ele, o fato de o presidente do BC ser alguém oriundo do mercado dificulta a adoção de medidas mais disruptivas no setor financeiro.