O brasileiro parece ter aprendido a cuidar de suas finanças melhor do que o governo. Apesar do cenário recessivo, com o governo passando por profundo ajuste fiscal e vários setores cortando vagas desde o ano passado, os indicadores de inadimplência e endividamento das famílias ainda não pioraram no Brasil.
Diversos indicadores de inadimplência e endividamento atingiram, nos últimos meses, os menores patamares de suas séries históricas. É o caso da taxa de inadimplência de crédito medida pelo Banco Central, que chegou à mínima de 3,65% em dezembro; e dos índices de famílias com contas atrasadas (17,50%) e que se consideram muito endividadas (9,7%) da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que alcançaram baixas recordes em fevereiro.
Esses indicadores, vistos como positivos pelo mercado, só são ameaçados pela deterioração do mercado de trabalho. Historicamente, a inadimplência cresce quando o desemprego está em alta, como ocorre hoje: a taxa brasileira subiu de 6,8% para 7,4% no trimestre encerrado em fevereiro e alcançou o maior porcentual em quase dois anos, de acordo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “O consumidor não tem o que fazer quando fica desempregado. Por mais que planeje seu endividamento e mantenha uma relação confortável entre renda e prestações, fica difícil não se tornar inadimplente”, diz o economista Luiz Rabi, da Serasa Experian.
A mesma opinião tem o economista Fábio Silva, conselheiro do Conselho Federal de Economia (Confecon), que explica que o impacto do desemprego na inadimplência não é instantâneo e parece estar represado. “Os empresários resistem a demitir, mas, ao que tudo indica, devemos caminhar para a elevação da inadimplência ao longo do ano”, projeta.
Rabi chama a atenção para a mudança na curva do indicador de inadimplência do BC, que, depois de chegar ao piso histórico em dezembro, apresenta altas sucessivas em janeiro e fevereiro. Ele também destaca que a forte inflação do primeiro trimestre, puxada pelo reajuste de preços administrados, atua para agravar a situação e dificultar a capacidade de o consumidor honrar todos os compromissos financeiros.
Endividamento
Por outro lado, o nível de endividamento das famílias deve se manter estável, devido a um arranjo entre encarecimento do crédito – principalmente em razão do aumento da taxa de juros –; e queda na disposição do consumidor para contraí-lo, face à perda de confiança na economia. “O crédito ficou mais restritivo ao mesmo tempo em que as pessoas estão se endividando menos. Isso faz parte do cenário de desaquecimento do consumo”, explica a economista Marianne Hanson, da CNC.
Esse movimento deve ser acentuado com o próprio avanço da inadimplência, que tende a se refletir em mais restrições na concessão de empréstimos bancários. Na mão inversa, o endividamento menor contribuiria para tornar menos grave e abrangente o calote dos consumidores, embora seja também mais um reflexo das dificuldades financeiras de momento.