O novo modelo do crédito rotativo, que deve ser regulamentado em breve, pode comprimir os resultados de varejistas no curto prazo. Redes que contam com braço financeiro — Renner, Marisa, Riachuelo, Magazine Luiza e Via Varejo, por exemplo — tendem a sentir, assim como os bancos, impacto imediato, tanto em termos de receitas como em vendas.
Tais empresas obtêm ganhos quando o cliente atrasa o pagamento e entra nessa modalidade de crédito, que possui juros mais elevados. A menor receita financeira, no entanto, pode ser futuramente compensada por uma inadimplência mais baixa.
Isso porque o crédito rotativo não poderá mais ser usado sem limites. A partir do novo modelo, anunciado no final do ano pelo governo, os consumidores poderão utilizá-lo no máximo por 30 dias. Depois disso, terão que parcelar o saldo devedor, o que deve ser obrigatório a partir de abril próximo, quando termina o prazo de adaptação dado ao setor de cartões.
O varejo utiliza a modalidade através dos chamados cartões private label, que são os plásticos próprios das redes de loja, ou co-branded, que aliam a loja a uma bandeira de cartão.
Impactos
A depender das características de cada rede de lojas e dos produtos financeiros, a fatia da carteira afetada com a mudança pode mudar. Em um estudo baseado nas demonstrações do braço financeiro do Carrefour, a Carrefour Soluções Financeiras (CSF), o analista do Bradesco Rafael Frade estima que as mudanças regulatórias poderiam afetar até 38% da receita de empréstimos de cartão de crédito da rede.
Há quem entenda, ainda, que o clima de mudanças pode condicionar os usuários habituais do rotativo a comprarem menos num primeiro momento.Alguns especialistas ponderam, porém, que o parcelamento de um saldo em aberto gera um efeito psicológico positivo que, pelo contrário, pode ser favorável às vendas.
Na prática, a mudança que limita o rotativo a 30 dias antecipa uma ação que as operadoras dos cartões já costumavam fazer depois de mais tempo decorrido: oferecer ao cliente o parcelamento da fatura.
“Talvez possa haver uma queda imediata (nas vendas do varejo) no momento em que você passa a antecipar uma ação que teoricamente é vista como de cobrança, que é o parcelamento”, avalia o diretor financeiro da administradora de cartões private Label DMCard, Carlos Tamaki, que ultrapassou mais de R$ 1 bilhão em vendas no último ano, alta de 25% ante 2015.
“Acredito que haverá algum impacto nos resultados futuros, principalmente se eles (varejistas) não forem muito eficientes na oferta dos parcelamentos”, acrescenta um executivo do setor de cartões.
No formato ainda vigente, o crédito rotativo representa 2,5%, ou pouco mais de R$ 39 bilhões, do total da carteira de crédito pessoa física no Brasil, conforme a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) com base nos dados do Banco Central. A fatia do varejo no rotativo, conforme especialistas, é menor que a dos bancos porque as vendas são mais parceladas que à vista, embora não haja estatísticas oficiais.
“O rotativo não foi feito para financiar compras. É um crédito emergencial. Por isso, 30 dias são o prazo que o rotativo atende a esta necessidade. A receita é ilusória porque, na prática, todo ganho é devolvido em prejuízo por conta da inadimplência”, observa o presidente da bandeira de cartões Credz, José Renato Simão Borges.
Tamaki, da DMCard, pondera que a quantidade de clientes que usa o rotativo por um período de tempo superior a 30 dias é pequena. Por isso, ele acredita que impactos poderão ser contornáveis. Hoje, diz, 40% dos clientes dos cartões administrados pela DMCard usam o rotativo, mas apenas 10% deles ultrapassam os primeiros 30 dias.
Na Credz, cerca de 25% dos usuários do cartão de crédito não pagam o valor total da fatura e usam algumas ferramentas, como o rotativo e o parcelamento. O presidente da bandeira, que soma 430 mil cartões, acredita que a participação do parcelado deve dobrar com o novo rotativo, que deve ser regulamentado ainda este mês pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Inadimplência
Ainda que as receitas financeiras diminuam, a medida que limita o uso do rotativo alivia as operações porque tende a gerar uma redução da inadimplência em um prazo maior. Isso porque os atrativos ganhos com a modalidade devem se transformar em menores calotes e, consequentemente, provisões para devedores duvidosos, as chamadas PDDs, que pesam no lucro das instituições sejam elas financeiras ou de varejo.
“A mudança no rotativo diminui a atratividade e o ganho excessivo das varejistas do lado financeiro. Apesar disso, ainda haverá muito espaço para o segmento fazer resultados”, destaca outro executivo do setor de cartões.
O especialista em meios de pagamentos Edson Santos diz que o impacto do novo rotativo para o setor varejista só seria relevante se, ao fazer a negociação, o banco diminuísse o limite de crédito dos clientes. “Se não diminuírem, é positivo. Os bancos e varejistas vão deixar de negativar o consumidor, que terá mais chance de financiar o que deve”, argumenta ele.
Os bancos geralmente não costumam reduzir o limite do cliente. Essa medida só é tomada em casos mais drásticos, quando o parcelamento do rotativo se torna algo recorrente. Quando o cliente entra em atraso, o cartão é bloqueado depois de cerca de 5 dias e a negativação geralmente ocorre após 30 dias. No entanto, se nem o mínimo da fatura é pago, o cartão pode ser cancelado, o que acontece passados cerca de 60 dias. “Com a redução do risco nesse novo modelo, os emissores devem manter os limites para não perder mais rentabilidade”, explica um executivo.
Do lado dos lojistas, o novo rotativo tende a reforçar uma postura que já vinha se consolidando em meio à crise: a de maior cautela na oferta e racionalidade nas promoções envolvendo compra com os cartões próprios. A avaliação dos especialistas é de que os braços financeiros das varejistas já vinham sendo mais cautelosos, acompanhando o movimento dos próprios bancos, buscando evitar a alta da inadimplência.
“O novo modelo traz uma proposta de parcelamento mais fácil de o cliente compreender e de o gestor administrar”, comenta o presidente da consultoria especializada Boanerges & Cia, Boanerges Ramos Freire. “Esse apelo irracional, em que o varejo anuncia para que você compre o que quer com o cartão, privilegia o impulso, mas depois gera dor de cabeça para os dois lados”, conclui.