| Foto: Marco Andre Lima/Marco Andre Lima

Longe de resolver a situação financeira da Petrobras, o reajuste de combustíveis anunciado na noite de terça-feira (29) contribuiu principalmente para reduzir as dúvidas dos investidores quanto à autonomia da cúpula da estatal sobre a política de preços. As ações da estatal subiram quase 10% nesta quarta (30), refletindo o otimismo com o que analistas chamaram de “postura de comprometimento” com a recuperação da empresa no longo prazo. O preço da gasolina foi reajustado em 6% e o do diesel em 4%, nas refinarias.

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Os ganhos financeiros com o reajuste de combustíveis são estimados em até R$ 8 bilhões ao ano, cifra tímida diante da escalada da dívida nos últimos três meses, que subiu cerca de R$ 100 bilhões puxada pela disparada do dólar. O cenário delicado já leva especialistas a projetar novo reajuste para fortalecer o caixa da estatal até o próximo ano.

“A alta das ações reflete um otimismo com a demonstração de uma postura compromissada da diretoria, que entendeu que a situação era tão complicada que já não tinha saída”, avalia Walter de Vitto, da consultoria Tendências. “Parece o começo de um caminho em que a Petrobras vai reagir mais rápido à variações externas no preço do óleo, reverter a política nociva de conter reajustes. É bem provável que, até zerar as perdas dos últimos cinco anos, a Petrobras pratique preços acima do mercado internacional.”

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A política do governo não é de controle de preços de combustível e está deixando as coisas fluírem de acordo com o mercado. Era tudo o que nós queríamos. O mercado de preços está livre

Kátia Abreu ministra da Agricultura.

Ingerência

As perdas decorrem da defasagem entre o valor pago pela Petrobras ao importar petróleo e derivados entre 2010 e 2014, e o preço de revenda no mercado doméstico. Para conter alta na inflação, o governo evitava reajustar preços de combustíveis interferindo sobre as decisões da cúpula da empresa. A ingerência provocou um rombo estimado em R$ 80 bilhões no caixa da companhia, que recorreu a financiamentos em dólar para manter projetos. No período, a dívida cresceu mais de 700%.

A equação financeira da estatal é delicada: em junho, pela primeira vez a Petrobras registrou uma geração de caixa abaixo do volume de dívidas de curto prazo: R$ 41 bilhões ante débitos de R$ 44 bilhões a serem pagos até o início de 2016. A situação se agravou com a depreciação cambial de 30% em setembro, e o reajuste de preços foi inevitável para elevar a geração de caixa. Com a medida, a estatal deve gerar entre R$ 6 bilhões e R$ 8 bilhões por ano, conforme relatório do BTG Pactual e Bank of America Merrill Lynch.

Essa melhora se deve ao fato de que, agora, gasolina e diesel estão sendo vendidos no país com preços entre 7% e 13% mais caros que o mercado internacional, segundo análise do HSBC. O banco melhorou as projeções para a relação entre a capacidade de a estatal gerar caixa e o volume das dívidas (alavancagem). Ainda assim, considera que o reajuste não “dissipa totalmente as preocupações” com a pressão cambial sobre a dívida. “Para alcançar a meta para a alavancagem em 2017, a estatal teria de passar por aumento adicional de 10% em 2016 e 2017.”

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Caro, mas nem tanto

O brasileiro reclama do preço. Mas o litro da gasolina por aqui não é dos mais caros do mundo. Segundo dados do site Global Petrol Prices, o valor médio cobrado até o último dia 28 era o 43º mais barato do mundo, numa lista de 184 países. Os R$ 3,27 desse levantamento, que tem como base a pesquisa semanal realizada em todo o país pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), estão longe do R$ 0,06 desembolsado pelos venezuelanos, que são os que têm o menor custo com gasolina no mundo. Na Arábia Saudita, onde o preço é o segundo menor do mundo, o litro sai a R$ 0,46.

Com o reajuste dos combustíveis, previsões para a inflação chegam a 10% em 2015

A alta do dólar chegou ao orçamento das famílias ao primeiro minuto de ontem, com o reajuste pela Petrobrás do preço da gasolina e do óleo diesel nas refinarias. O repasse para o consumidor foi imediato. Logo pela manhã, os motoristas tiveram de pagar de R$ 0,17 a R$ 0,20 a mais pelo litro da gasolina. O aumento era o empurrão que faltava para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechar acima de 10% este ano e voltar à casa dos dois dígitos pela primeira vez desde dezembro de 2002 (12,53%).

“Com o aumento da gasolina, finalmente podemos dizer que o repasse do dólar começou de fato a ser repassado para a inflação”, afirmou o economista da PUC-RJ e membro do Conselho do IBGE, Luiz Roberto Cunha. Para ele, antes não era possível perceber claramente a contaminação da economia pelo câmbio mesmo em produtos com matéria-prima importada, como nos segmentos de limpeza.

Cunha trabalha, agora, com estimativa de inflação na casa dos 10% até o fim do ano, muito acima do teto da meta fixada do governo para o IPCA, de 6,5%. Em relatório distribuído aos clientes, o banco Credit Suisse já revisou para cima suas projeções, de 9,5% para 10%.

Cunha lembra que o diesel é usado em toda a cadeia produtiva, como no transporte rodoviário de cargas, que afeta a inflação de alimentos. Pelas contas da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística), o aumento no diesel de 4% vai deixar o transporte rodoviário de cargas de 0,46% a 1,41% mais caro. O impacto deve ser maior no frete de longa distância, de 2.400 km, que deve registrar alta de 1,38%.