O governo brasileiro anunciou nesta quarta-feira (22) uma redução drástica das metas de superávit primário neste e nos próximos dois anos, devido à frustração da receita em meio a um cenário de contração econômica. Também elevou os cortes de despesas em 2015 em R$ 8,6 bilhões e abriu a possibilidade de abater até R$ 26,4 bilhões da meta fiscal deste ano o que, no limite, pode até gerar novo déficit primário.
INFOGRÁFICO: confira os detalhes da nova meta e do corte anunciado pelo governo
A “poupança” feita pelo governo para o pagamento de juros da dívida pública foi reduzida em 2015 para R$ 8,747 bilhões, ou 0,15% do Produto Interno Bruto (PIB), contra R$ 66,3 bilhões, ou 1,1% do PIB, previstos até então, anunciaram os Ministérios do Planejamento e da Fazenda.
O governo também reduziu a meta fiscal de 2016 e 2017 para, respectivamente, 0,7% e 1,3% do PIB. O objetivo anterior para cada um dos próximos dois anos era de 2% do PIB, porcentual que agora só deverá ser alcançado em 2018. As alterações nas metas fiscais precisam ser aprovadas pelo Congresso Nacional, via projeto de lei encaminhado pelo governo, num momento de crise política entre Executivo e Legislativo.
“Apesar de estarmos reavaliando a meta, nosso compromisso é de continuar a garantir a disciplina fiscal”, disse o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, acrescentando que mudança na meta é algo “excepcional” e que o esforço do governo será para mostrar resultados acima dos novos parâmetros.
Dívida pública
O esforço fiscal maior do governo anunciado no início do ano, quando a atual equipe econômica assumiu, tinha o objetivo de reduzir a relação dívida bruta/PIB, indicador bastante monitorado pelas agências de classificação de risco. Mas isso não está ocorrendo. Segundo dados do Banco Central, em dezembro a dívida bruta correspondia a 58,91% do PIB e, em maio – último dado disponível – ela havia ido a 62,1%. O governo passou a ver que ela fechará este ano a 64,7% do PIB, sobre 63,4% previstos até então. Para 2016, prevê agora 66,4%; 66,3% em 2017 e chegando a 65,6% no ano seguinte.
A alteração no alvo fiscal deste ano, segundo Levy, foi necessária por causa da forte frustração das receitas em meio a um quadro de enfraquecimento da economia. A previsão de receita líquida foi reduzida em um pouco mais de R$ 46 bilhões, para R$ 1,112 trilhão. Além disso, a estimativa de despesas subiu em R$ 11,4 bilhões, principalmente por causa de gastos maiores com abono e seguro desemprego, e de benefícios previdenciários.
O cenário levado em consideração pelo governo é de que o PIB terá contração de 1,49%, com inflação a 9%.
Abatimento
Além de reduzir a meta, o governo anunciou que poderá abater do alvo fiscal deste ano até R$ 26,4 bilhões, dependendo do comportamento das receitas extras esperadas e de algumas medidas que dependem de aprovação do Congresso. Na prática, se o governo fizer o abatimento, o país poderá fechar o ano com déficit primário de mais de R$ 17 bilhões. Em 2014, já houve um rombo, equivalente a 0,63% do PIB.
O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, disse que o governo incluiu a possibilidade de abatimento da meta como uma “cláusula de contingência”. E o abatimento não será utilizado para aumentar as despesas. “O intuito é mostrar que há uma receita, que depende de ações em andamento”, disse Barbosa, acrescentando acreditar na aprovação das medidas no Congresso.
Ele citou medidas de recuperação de débitos em atraso, que podem gerar até R$ 10 bilhões; regularização de ativos no exterior, com potencial de receita de R$ 11,4 bilhões; e concessões e permissões no valor de até R$ 5 bilhões.
Débitos em atraso
Como uma das principais apostas para aumentar as receitas em ano de arrecadação fraca, o governo publicou medida provisória permitindo que as empresas usem créditos fiscais para quitar dívidas em atraso. O novo programa, batizado de Programa de Redução de Litígios Tributários (Prorelit), deverá gerar arrecadação de R$ 10 bilhões e prevê o pagamento à vista em dinheiro de 43% do débito, sendo o restante pago com o prejuízo fiscal nos balanços das empresas acumulados até 2013. Poderão ser quitados apenas débitos tributários questionados administrativamente ou na Justiça e as empresas terão que desistir dos processos.
Pessimismo do governo sobre contas preocupa economistas
- SÃO PAULO
A redução da meta fiscal para quase zero surpreendeu economistas, que viram um pessimismo preocupante – alguns viram exagero – do governo em relação à trajetória das contas públicas nos próximos anos, indicando a possibilidade da existência de algum “esqueleto” ou “pedalada” ainda desconhecida que precisará ser desfeita.
O alerta maior veio com a possibilidade de o país ter um deficit de R$ 17,7 bilhões (cerca de 0,3% do PIB) se fracassarem as concessões, a repatriação de dinheiro de brasileiros no exterior e o programa de recuperação de débito tributário em litígio. O governo espera obter R$ 26,4 bilhões nessas três frentes.
“Isso é preocupante porque sinaliza que não haverá cortes adicionais nos gastos, caso o governo não obtenha essas receitas extraordinárias e que não dependem dele. Lembra quando retiraram os investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) da meta fiscal”, disse Fabio Klein, economista da consultoria Tendências.
“Apesar de ter sido largamente esperado, minha avaliação é que foi uma chamada para abrir os olhos sobre as dificuldades severas do país na frente fiscal. Nada de bom pode vir, fora isso”, disse o economista Alexandre Schwartsman.
Para o economista Mansueto de Almeida, especialista em contas públicas, o Brasil caminha para ter o maior endividamento entre os países emergentes, superando a Índia. Nas contas de Mansueto, a dívida bruta do setor público poderá passar de 67% do PIB neste ano, superando os 64,4% previstos pelo FMI para a Índia.
Em junho, a dívida bruta (não inclui as reservas) do país atingiu R$ 3,539 trilhões, o equivalente a 62,5% do PIB.
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