A decisão sem precedentes da Apple de investir US$ 1 bilhão em uma empresa chinesa de reserva de táxis, na semana passada, pode soar intrigante. Por que carros? E por que não investir todo esse dinheiro nos Estados Unidos, berço da companhia?
Acontece que o movimento não foi à toa. Não apenas é um sinal do interesse crescente da Apple em transporte – uma indústria em rápida transformação, graças a tecnologias disruptivas como a automação – mas também é uma aposta em um país que quer ultrapassar os Estados Unidos no desenvolvimento dos carros do futuro.
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A China tem se preparado em uma velocidade surpreendente para a próxima geração da tecnologia automotiva. Autoridades do governo revelaram recentemente o esboço de uma proposta que poderá liberar completamente carros autônomos em rodovias do país por volta de 2020, e nas ruas de cidades em 2025. E ao contrário dos Estados Unidos, que precisa conciliar as diferentes normas de transporte em cada esfera – federal, estadual e municipal –, o governo mais centralizador da China pode permitir que Pequim deixe Washington para trás na corrida por esta tecnologia.
Embora o número de carros adquiridos pelos chineses seja ainda uma fração do visto nos Estados Unidos, com menos de 200 veículos para cada mil habitantes, o tamanho total da população deixa claro que a poluição, congestionamentos e mortes no trânsito são ameaças em potencial para o futuro da economia do país. Mais de 260 mil pessoas morrem em acidentes nas estradas chinesas em 2013, de acordo com a Organização Mundial da Saúde – nos Estados Unidos, no mesmo ano foram 34 mil mortes. Engarrafamentos em algumas partes da China são conhecidos por se estenderem por dias – um em especial, em 2010, quebrou um recorde e tem até um artigo próprio na Wikipedia.
Considerando os rumores que continuam a sinalizar uma eventual expansão da Apple no mercado de automóveis, será crucial para a companhia entender o que o maior mercado em potencial de carros do mundo pensa sobre passear por aí em quatro rodas.
O CEO da Apple, Tim Cook, deu a entender a importância desta tarefa em uma entrevista para a Reuters na última semana, em que disse que o investimento na Didi Chuxing, a versão chinesa do Uber, representa uma “chance para aprender mais sobre alguns segmentos do mercado chinês”.
Pensando na frente
O aporte da Apple na companhia de transporte faz sentido por uma série de razões. A evolução dessa parceria pode compensar a retração global nas vendas de iPhones, que tem afetado as receitas da gigante norte-americana. Pode levar também a Apple a aumentar sua visibilidade na China, algo que a empresa tem perseguido por anos, mesmo que o país tenha frustrado as ambições de outras empresas de tecnologia.
O negócio também pode ajudar a Apple a entender como desenvolver serviços online melhores, uma área em que a companhia tem conquistado algum sucesso, apesar de empreitadas mais arriscadas como o Apple Pay e o Apple Music. Além disso, a grande maioria dos US$ 233 bilhões que a Apple tem em caixa estão fora do seu país de origem – investir todo esse dinheiro nos Estados Unidos traria um custo com impostos pesado.
Por meio da parceria, a Apple espera ganhar acesso a dados valiosos que vêm das 11 milhões de viagens feitas diariamente pela Didi. Segundo analistas, esta informação pode ser imensamente útil, não apenas para o negócio tradicional da Apple de vender celulares e computadores na China, mas também para suas tentativas em desenvolver um veículo que algum dia pode chamar a atenção de motoristas de todo o mundo.
“Estes dados valiosos são estratégicos para todas as montadoras interessadas em desenvolver um sistema completamente autônomo no futuro”, reforça Tony Lim, analista da Kelley Blue Book. “A aprendizagem na China pode ser aplicada aqui nos Estados Unidos e em outras nações industrializadas”.
A bola da vez
A indústria automotiva, junto de companhias de tecnologia como o Google e empresas de transporte como o Uber, acredita que tirar motoristas humanos da equação é uma maneira de reduzir congestionamentos e salvar vidas. Ao migrarem para veículos autônomos, defendem os executivos, motoristas ficam isentos dos erros humanos responsáveis por mais de 90% dos acidentes de trânsito.
Praticamente toda grande montadora está hoje pesquisando inovações na área, e algumas estão fechando parcerias com empresas de transporte remunerado – como o Uber e a Didi – para estudar novas formas de utilização dos veículos. Nos Estados Unidos, a General Motors (GM) investiu meio bilhão de dólares na Lyft como parte de sua pesquisa em carros autônomos.
Autoridades do governo chinês e empresários do país também estão apostando em carros autônomos. Em abril, o país fez seu primeiro teste com dois carros autônomos cobrindo uma longa distância, por meio de uma empresa local, a Chang’an Automobile. Os veículos trafegaram em rodovias públicas, passando por mais de 2 mil quilômetros entre Chongqing e Pequim, em quatro dias. Naquele mesmo mês, a Volvo anunciou que vai colocar em breve nas estradas chineses mais de 100 protótipos desenvolvidos pela empresa.
Algumas das maiores e mais populares companhias locais, como Baidu e Alibaba, estão investindo pesado na tecnologia de carros autônomos. O Baidu vai começar a testar seus carros sem motorista nos Estados Unidos ainda neste ano, desafiando o Google. Montadoras chinesas também estão contratando engenheiros de empresas do Ocidente, “roubando” talentos dos braços do Google e da alemã Daimler.
Mesmo diante dos planos ambiciosos e das vantagens da China nesta corrida, algumas montadoras do país querem que Pequim afrouxe ainda mais a legislação. “A China precisa tomar a liderança diante da União Europeia, Japão e Estados Unidos”, disse Li Shufu, diretor do conglomerado automotivo Zhejiang Geely (dono da Volvo). “E esta não é só uma questão de vantagem comercial”, reforçou, em um artigo na imprensa.
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